27 junho 2010

Transpirenaica_10 - O relato

Homenagem à – bicicleta na - montanha



Pronunciar este nome é invocar respeito, superação…mas, acima de tudo, é amealhar emoções que depois se trocam por experiências que se elevam muitos palmos acima do céu e ficam a uma mão travessa do céu.


É uma palavra que abre todo um horizonte de distâncias tremendas e espaços abruptos onde a natureza pode expressar mil e uma paisagens distintas.

É uma travessia do mundo e é realizada na sua maioria fora de estrada do mediterrâneo ao atlântico pela vertente sul dos Pirenéus. Tem um milhar de quilómetros com constantes subidas e descidas e médias diárias a atingirem os 1700 metros de acumulado.

Apresenta-se como um desafio geográfico, climático e paisagístico permanente.






E1 e E2 – Nesta região, a natureza é generosa. Em seu redor, os cumes em riste estão como perfilados em acentuados desníveis. Ficamos com a sensação que a montanha é inacessível, mas mesmo assim, enfrentamo-la.

Há alguns dias que percorremos os caminhos sinalizados e bastante cimentados da GR-11 até Camprodón.

E3 – O que sobe, tem de descer. E lá fomos para Ribes de Fresnes para logo a seguir voltar a subir. O nosso destino está sempre situado numa cota mais baixa e por isso sabemos que temos sempre muita adrenalina até lá.

Neste gigante sistema montanhoso torna-se necessário mudar de visor e ajustar a escala da dimensão. Ultrapassar os 2000 metros para conseguir chegar aos grandes mantos de neve levou tempo. Mesmo muito.








E4 – Quem não gostar de subidas não vale a pena fazer esta travessia.


As estações de esqui de La Molina e Masella são alguns dos waypoints que temos de validar. A esta altura, os cumes parecem uma multidão. Fecho os olhos, e o mundo fica muito longe. É neste percurso de tranquilidade e horizontes vastos que gosto de pedalar.

A pista (pedregosa) de esqui da montanha sagrada é boa para apurar a técnica. Descer a valer precede o primeiro single-track que apesar de curto, quebra a “rotina” no pedalar.

Para chegar a Coll de Pal é preciso empurrar a bike e respirar fundo muitas vezes. Logo de seguida, os trilhos – rápidos e divertidos – até Bagá são feitos de um fôlego só.

E5 – Saindo de Bagá, todo o caminho é enclausurado entre 2 cordilheiras acima dos 2 mil metros. Senti-me pequeno. A cada metro andado, olhava para cima e descobria que ainda tinha muito suor pela frente.

Quando se olha 360º, nada mais importa do que aquele momento difícil de captar numa máquina fotográfica. O registo na memória torna-se o backup, e as imagens, o meu screensaver para usar como colete de salvação na ruas do local onde vivo, Lisboa.

Cada descida encerra um mistério e quase uma cruz. É obrigatório parar. Para reajustar articulações, para ver a beleza do enquadramento das construções de pedra desta região.

Vamos no 5 dia, 1/3 da travessia está feita. Cada vez que pedalo, parece sempre a primeira vez. I´m addicted

.






E6 – Altos Pirenéus, the only way is up. A inexistência de infra-estruturas de apoio em Noves de Segre fez-nos avançar no itinerário até Adrall. Independentemente do local de saída, só havia uma alternativa. Subir.
 

E7 – A etapa antes e depois de Llavorsi caracteriza-se por ter apenas uma ascensão. É uma situação atípica; é quase uma borla. Foi meio-dia de trabalho para fazer 40 quilómetros até ao ponto mais alto da travessia.

Os trilhos de muita pedra solta a caminho dos locais de pernoita são traiçoeiros devido à grande velocidade que se atinge naquelas encostas e ao cansaço já acumulado.

Do antecedente até aqui não era fácil ver povoações. Neste momento, o isolamento é cada vez mais uma constante.

Do caminho a meia encosta avistam-se vales abruptos, paisagens verdejantes e muita neve a obstruir a passagem.

Espui encontra-se ao fundo do abismo de la Vall Fosca onde foi preciso chegar por uma descida vertiginosa em zig-zag.




E8 – E a chuva quase a vontade levou. Foi preciso ter paciência e esperar para que o vento frio e a água não se sentissem no nosso corpo.


O trajecto de hoje rompia com o habitual. Não obstante de rolarmos a altitudes mais baixas, as sucessivas ondulações conferiam-lhe, juntamente com o “sendero” de montanha, a forte chuva e granizo, a dureza que viemos buscar aos Pirenéus.

E9 – Depois do temporal veio a aldeia Bonsansa. A paisagem começa a despertar, o perfume dos bosques está vivo; o cenário é um quadro de folhagem rodeado de maciços pedregosos e o ruído da terra húmida é perceptível debaixo das rodas.

Neste percurso a dor passou dos músculos para o osso. “O homem da marreta apareceu.
 

 
 


E10 – Escalona é o nosso ponto de partida para entrarmos, onde nos for permitido, no Monte Perdido e Vale de Ordesa.

Saber que a chegada está a mais de 100 quilómetros não me preocupa. O que vejo, o que sinto e o que oiço viver neste parque nacional serve-me de matéria-prima para colmatar as dificuldades que possam vir a surgir.

Em Nerin, após o café com aguardente, assinámos o “tratado da serra das cutas” e decidimos fazer cume. O poder do álcool ajuda-me a perceber que o espigão de selim em carbono já não está vertical. Baixá-lo torna-se imperativo. Agora, parece que pedalo num triciclo.

Longos instantes ventosos se passaram. Faço uma paragem e evoco os espíritos da montanha. Estou num mirador para observar o Monte Perdido e o Vale de Ordesa e não vejo nada. Esta neblina cerrada transporta-me para um mundo de meditação, espiritualidade e elevada ALTITUDE. Enquanto escrevo, aguardo a minha prece.
Os deuses presenteiam-me com um cenário inenarrável numa palavra humana. Quando temos o prazer de estar em sítios como este, sabemos que os deuses existem porque só eles podem habitar e transformar, pedra, água e terra em algo assim



E11 – Menú da etapa 11 do dia 09Jun10:


para abrir a boca - trilho all subida;

para continuar – bike à mano_cuestas;

bebida- chuva all dia;

sobremesa – lama all cola.



E12 – O refúgio de montanha em Aragués dó Puerto foi um consolo em todos os sentidos. Era, literalmente, a cereja no topo da montanha.

Sobre o trajecto a seguir havia que tomar várias decisões aquando da chegada às variantes idealizadas em relação ao track original. Os “senderos” nos Pirenéus não são meros single-tracks.


Ladeados por verticais e dominantes escarpados de pedra, subimos o valle de Ansó, um dos famosos vales ocidentais dos Pirenéus Aragoneses.



                                           
Vê-se a folhagem húmida, os fragmentos musgosos, o trilho na floresta cheio de orvalho e coberto de pinhas e ramos secos. Tudo pegado forma um tapete macio e escorregadio, bom para fotografar, horrível para pedalar.

E13 – Isaba é uma aldeia típica desta região. Ruas empedradas e casas rústicas em redor de uma mancha verde impressionante. Como se a beleza não fosse suficiente, o contraste dos vasos vermelhos semeados nas varandas torna-a única.

Fora daqui, a direcção é a enorme extensão florestal dos bosques de Irati. Admirável mundo este, em poucos quilómetros, tanta biodiversidade.
Desde a Catalunha, passando pela Navarra e entrando no país Basco, as palavras viajam. Há vários dias que vamos absorvendo as diferentes sonoridades e significados nas respostas que nos são dadas ao longo da linha de fronteira


E14 – Com chuva, há fotografias que não se tiram, há imagens que não se esquecem.

 
Para trás ficou Roncesvales e os peregrinos. O quadro do caminho, mais uma vez, esbatia-se em tons verdes e castanhos com o ar mais natural deste mundo. O Outono há muito tempo que aqui caiu pelo chão em camadas de folhas secas. Em cima, tudo verde e frondoso.

A um dia de terminar esta nossa odisseia, nota-se que a energia do nosso corpo já não flui com a mesma vitalidade. Sentimo-nos presos, agarrados a este ambiente que nos droga e vicia.

A neblina ocupa todo o ar, o vento traz o frio e a chuva. Nós resistimos. Paramos. Tiramos fotografias. Gostamos de nos sentir assim. Elementos da natureza.





E15 – Em Extalar, também sabe bem ficar. É verdade que é preciso subir (e muito), mas isso, já não é novidade. Amanhã é outro dia, é outra história, é outro empeno.

As folhagens de fetos cobrem toda a encosta como se uma plantação se tratasse. Uma dobra no terreno, uma míngua de terra cravada de pedras é tudo o que temos para caminharmos até ao atlântico. Não está longe, aqui de cima já se vê a fita do mar ao fundo.

Praia de Hondarribia. Alguns anos antes, foi preciso querer. Não bastou, foi preciso fazer.




Epílogo
Estar junto da natureza faz-nos felizes. Os 15 dias vividos neste ambiente puro é q.b. para perceber que vale sempre a pena partir…ir. Ainda assim não consigo explicar porque razão não deixo de andar de bicicleta.

Com que palavras podemos explicar uma paixão?




 


















































3 comentários:

Espanhol disse...

Mister...

Brutal, isso é que foi uma verdadeira aventura.
As fotos estão do best...
Quando é que escreves um livrinho ?

Abraços e boas pedaladas.
Hugo

Sportive disse...

Hum..como que dizer algo que detesto dizer?
Tipo sentir inveja sempre me ensinaram que é mau, mas que raiva que tenho de não ter podido ir com vocês.

QUE RAIVA...

Anónimo disse...

Depois disto, aborrece-me pedalar por cá...

Deves saber quem é...

Um abraço, e até aos 3500 em Outubro.