“A terra pertence ao dono, mas a
paisagem pertence a quem a sabe olhar.”
Edinburg, 04jul17
O
verde que envolve toda a área do aeroporto promete. É-nos recusada a subida no
autocarro que vai para o centro da cidade, ocupam muito espaço, dizem os homens
com uma pronúncia do norte. Dificilmente os entendo quando indicam uma
alternativa. É a mão estendida numa direção que nos encaminha para o comboio de
superfície. Para eles chama-se tram.
Não é em Edimburgo que começa a nossa
travessia, mas justifica-se voar para a capital por vários motivos: o avião
para Inverness demorava mais um dia a chegar ao destino e era importante termos
as nossas caixas intactas e guardadas para o nosso último dia de viagem e
retorno a casa; o rochedo enorme onde se ergue o castelo; toda a parte antiga
da cidade onde as cores parecem despidas; e por tantas outras razões…
Inverness, 05jul17
O transporte de bicicletas no comboio
para Inverness não é propriamente simples. Perguntam-nos se reservamos lugar?
Respondo que a informação que tinha era que havendo cadeiras de rodas para
embarcar, só presencialmente e no próprio momento da compra dos bilhetes é que
saberíamos dessa possibilidade. Os funcionários da ScotRail, sempre prestáveis,
com a ajuda dos walkie-talkies tentam desbloquear esta situação. São permitidas
3 bicicletas a bordo, mas não nos satisfaz porque uma já está reservada e não é
nossa. Cresce a ansiedade, encurta-se o tempo. No timetable não aparece a indicação
do número da plataforma. Todos os passageiros olham para cima a 45º, aguardam
alguns metros recuados dos torniquetes. Entretanto já temos luz verde. Somos os
únicos do outro “lado da barricada”. Estamos debaixo do painel eletrónico,
quase não nos resta espaço para olhar na mesma direção dos passageiros. A 5 minutos
da partida surge o nº16 que nos guia até ao topo do comboio.
Torna-se natural avistarmos muitos
lagos ao longo do nosso percurso. Inverness, a capital das Highlands, situa-se
orgulhosamente onde o lago Ness se junta ao mar. Saímos desta cidade e durante
40 kms devoramos asfalto. Mantemo-nos ao nível do mar, vamos desembestados à
procura das Terras Altas. Rolar à esquerda é uma experiência nova. Quantos anos
já passaram, quantos quilómetros já percorri no outro lado da estrada? A
condução dos escoceses não nos tranquiliza, torna-se frequente subirmos o
lancil, para, em segurança, avançarmos para o nosso destino.
Em Contin, na montra de uma loja,
salta-me à vista o seguinte aviso: última loja antes de Ullapool (que dista de Inverness
aprox. 39 kms pela A836). A nossa previsão aponta para 3 dias de bicicleta. A
quilometragem por trilhos ultrapassa os 300 kms porque existem muitas zonas que
queremos explorar mais a norte.
Os grandes horizontes aproximam-se, as
paisagens dos quadros e dos postais ilustrados revelam-se. Todos os ciclistas
sabem que as grandes voltas têm um preço, o espaço de terra que escolhemos para
estacar a nossa tenda não está decidido, nem tampouco teremos como nos
abastecer durante este longo período de isolamento. Será o cansaço, o tempo,
bem como as condições e beleza do que nos rodeia que nos ajudará a estacionar a
bicicleta.
Inicialmente, uns barracões junto ao
riacho parecem um belo spot. Arrastamos placas de poliuretano, tapamos janelas
e, o Nunes vai espreitar a casa que está alguns metros mais acima. A porta está
aberta, tem gás, água, fogões, alcatifa, casas de banho, sofás, camas, etc.
Ah!!! Tem tudo o que uma casa habitada normalmente tem, até televisão. Só
existia um problema, não havia eletricidade, era preciso voltar ao barracão e
ligar o gerador.
Qual foi o local que escolhemos para
passar a noite? Deixo à vossa imaginação.
Lodge
(algures num lugar da Escócia) - Cabana
do Pescador - 06jul17 - 115 kms
A beleza e o isolamento têm um preço.
Para o Baleia e o Nunes, o café da manhã acompanha com uma barra energética.
Cada um de nós transporta 4 pacotes de massa, não haverá fartura, nada sobrará,
mesmo com momentos de mais contenção na “fome controlada”, julgamos ter comida
suficiente para cruzar esta parte inóspita da Escócia.
Antes de entrarmos em novo loop pelas
montanhas, obtemos um mimo e entrámos no bar do Oykitel hotel para uma refeição quente. Se não
gastamos na dormida podemos dar-nos a este luxo e fugirmos um pouco ao
low-cost. Bem tentamos pedir para nos vendam um pacote de massa pois desta
forma tínhamos uma forma de complementar e ter a certeza de que haveria comida
suficiente para todos os dias. Não tivemos sorte, só havia produtos frescos. Fomos
rolando e mais à frente, o Accknes hotel estava sobre o nosso track.
Conseguimos um pacote de tagliateli cuja validade terminava em 2014. De certeza
que seria bem pior se não comêssemos nada nos próximos dias. O manto verde do
cenário é uma realidade independentemente do vale, da esquina ou dos quilómetros
que percorramos.
Passa das 18h da tarde e também já
ultrapassámos a centena de quilómetros. A cartografia do gps não augura nada de
bom se continuarmos a insistir no avanço. Vasculhamos uma pequena casa e somos
surpreendidos com uma bela reserva de vinho tinto australiano. A subida que se
segue é feita a pé e os famosos midges não nos largam quando paramos para
tentar fazer um chá. Que cenários dignos de serem apreciados temos em linha de
vista assim que cruzamos a montanha. Seguimos apaixonados por esta região, por
agora, procuramos abrigo. Aproxima-se outro lago, numa das suas margens vemos
uma pequena casa de madeira. A cabana dos pescadores tem gás, chá, mas o melhor
é mesmo ter um teto que nos permite mais uma bela noite.
Cabana do Pescador - Oykitel brigde Hotel -
07jul17
Tal como disse dias antes para a
câmara de vídeo, olhando para o céu, não sei se é “a.m. ou p.m.” Deitamo-nos de
dia e acordamos de dia. Ontem a garrafa de vinho de caubernet sauvignon trouxe
outro fôlego à nossa habitual ementa de massa. O sabor alterna entre a
carbonara, o pesto ou a bolonhesa e neste momento ao pequeno-almoço, resolvemos
alternar. As grandes canecas de café mantêm-nos sóbrios e deixam-nos a certeza
de que não estamos a sonhar. Estes locais de extrema beleza existem no nosso
planeta, temos é que pedalar para conseguir alcançar alguns deles.
São 22h00, continua a haver bastante
luz e “fortes bandos” de midges à solta. Nós estamos em busca do barracão onde
funcionava a antiga escola e onde é permitido o alojamento a mochileiros.
Tentámos um motel com B&B algumas milhas bem atrás, estava cheio. Neste
momento estamos no Oykitel hotel, foi neste local que parámos há 2 dias atrás
antes de iniciarmos o loop pelas highlands. Nesse dia aproveitámos para avisar
familiares (devido à nossa ausência de notícias e contatos telefónicos), pois
só aqui no hotel era possível termos cobertura para o telemóvel.
Agora, é preciso recuar umas boas
horas e colocar em palavras algo que não se resume a 15 kms sobre pedras, lodo,
riachos, montanhas, terrenos alagadiços e um caminho que teimava em não se
deixar ver. Foi necessário navegar com o gps seguindo a cartografia carregada e
obtendo por vezes ajuda com os montes de pedras que indicavam um ponto de
passagem.
Esta nossa aventura tem por base um
track de bikepacking. Lonkinver é uma pequena povoação junto à costa. Como é um
dos poucos locais habitados que visitamos, compramos comida para logo ali,
junto do parque infantil, fazermos um snack muito diferente das massas a que
nos fomos habituando. Eram 16h00 e estávamos longe de imaginar a tortura que
iriam ser os próximos quilómetros. Não
faltavam áreas lindas pelo caminho nem horizonte para percorrer. Sempre ladeados
pelo lago Fada, o nosso passo era lento e a bicicleta permitia ser empurrada.
Ora sobre pedra, ora enterrando as rodas até aos cranks e as pernas até aos
joelhos, foi uma longa caminhada durante 5 horas.
Oykitel brigde Hotel - Shenavall shelter ( que afinal não era abrigo
mas sim uma casa em ruínas) - 08jul17
Neste território mais a norte da
Escócia por vezes somos abençoados com algumas estradas de ligação em alcatrão.
Têm só uma faixa de rodagem e é normal os carros percorrerem-na ocupando toda a
via. Espaçadamente surgem pontos (passing áreas) para que os carros se possam
cruzar. Nós sentimos a vulnerabilidade quando os condutores escoceses não
abrandam e nos momentos em que entramos nas curvas.
Não foi um dia fácil, a saga de muitos
trilhos com pedra continuou. A chuva não dava tréguas, a paragem em Ullapool
para o fish and chips serviu não só para nos alimentar, mas também como pequeno
conforto neste dia tão frio. Daqui a ideia era seguir para um shelter situado
bem afastado da costa e que serviria de local de pernoita.
Com o vento a bater forte, os olhos
sofriam com tanta água. Depois de muitas horas a pé, surge do outro lado a
descida alucinante que permite ver no vale uma bela construção com 3 chaminés.
Estranhei não estarem a deitar fumo, e estranhei ainda mais quando o Baleia e o
Nunes (que iam à minha frente), cirandavam pelo exterior da casa.
Pensei
logo – as portas estão fechadas. Parte da casa estava em ruínas, eram bem
visíveis os estragos que a colocavam em risco de ruir e por isso, portas e
janelas estavam trancadas com tábuas de madeira. Tendo como opção as tendas
gore-tex que transportávamos e esta amostra que já foi casa, elegemos a segunda
para nos protegermos dentro de paredes. Recolhemos água da chuva que cai das
caleiras, parece um contrassenso pois existe ribeiras e lagos com água
maravilhosa por todo o lado, no entanto, chove mesmo muito para que façamos meia
dúzia de metros até ao ribeiro. Não quero descrever o interior para que ele se
desvaneça com o tempo da memória. Há vestígios de marca humana, quantos mais
aqui decidiram ficar em tempos?
Shenavall Shelter -
Carnmore bothy (Barn, Celeiro) - 09jul17
Impressionante. Percorremos uns
míseros quilómetros e surge novamente o waypoint do abrigo. Aproximamo-nos,
este sim deveria ter sido o nosso poiso ontem. Abastecido com sacos-cama,
botijas gás, esteiras, etc, este espaço estava em ótimas condições. Ontem, com
o excesso de confiança, o entardecer da hora que se aliou ao cansaço acumulado
e à muita chuva, originou que não confirmasse a nossa posição no gps. Vinha a
navegar com zoom a 300 metros e este waypoint parecia tão perfeito no meio do
nada. Como imaginar que haveria 2 casas tão próximas? Resumindo, a casa em
ruínas com a placa KeepOut deveria ter outra palavra, quem sabe a dizer
KeepGoing.
O entulho nesta casa fazia lembrar uma
pista de obstáculos, provavelmente por isso a nossa saída foi feita perto das
11h. Prosseguimos em caminhos com pedra ou água até chegarmos a mais um lago. O
lago parecia maior, o caminho estava interrompido, a água recuou e apanhava bem
parte do braço do rio que o alimentava. A travessia na posição do caminho que
apontava o track estava fora de hipótese. Subimos o curso do rio até uma zona
confortável para efetuarmos a travessia em segurança. Não havia mais surpresas,
o caminho fazia-se caminhando. Literalmente!!!
Mais um vale que se espraia à nossa
frente. Visto de cima sabe a conquista. Daqui em diante, quando pensas que o
panorama não pode melhorar, surgem 3 enormes lagos. Falta muito pouco para mais
um abrigo, já se via a tabuleta de madeira com uma pequena frase “mountains
and hickers are welcome to the barn 200 yards past the house. Era o Carnmore bothy.
Estes abrigos - alguns são simples,
tendo, quase sempre, o essencial - estão em zonas remotas para uso de todos os
que amem lugares lindos e isolados. Quantos de nós abdicam da liberdade de
escolher? De nos levantarmos de manhã e gritarmos liberdaaaaade, tal como o
William Wallace?
Carnmore bothy - Bunk house (kinlocheme) 10jul17 – 50kms
O dia de ontem teve apenas 16 kms mas
custou-nos um dia. Este é um exemplo que os percursos não devem ser só
avaliados em termos de quilometragem ou acumulados de subida.
Hoje conseguimos pedalar grande parte
do dia. Os single-tracks conduziram-nos até uma zona de floresta que ladeia as
poucas casas de Poulewe. Encostada à cerca está uma bicicleta parada, pertence
à mochileira com quem nos cruzámos há 2h atrás. Ela bem disse que a teria
deixado ali, no fim daquela mancha verde. Para nós, era o inicio de um caminho
tranquilo. Abastecemos nesta vila, dissemos olá, estamos bem para quem amamos
no nosso país e ainda tivemos tempo para cozinhar bacon com ovos. As saudades
eram muitas, e não é só da família a que me refiro.
Quando nasce uma oportunidade de
desviar por alcatrão para Kinlochewe, sentimos que queremos mais. Temos gula,
absorvemos e estamos viciados nesta adrenalina gerada por tanta excelência. Gastamos
3h para o tothie path (um preço justo para 10kms), que nos mostra mais uma
margem de um lago e de como este país tem pedras e rochas. Já na estrada, vamos
num autêntico contra-relógio para chegar ao bunkhouse. É aqui que vamos lavar
roupa, cozinhar, carregar baterias, fazer um update nas redes sociais e um sem
número de coisas que quem viaja em autonomia tão bem conhece.
Kinlocheme (bunkhouse) – Eilean Castle - Broadford (Skye
basecamp) -11jul17
Podia escrever, de manhã, pela fresca
(mas aqui é sempre fresco e quase sempre dia), seguimos na direção das
montanhas de Torridon. Enquanto os automobilistas conduzem ao longo da estrada
com uma única faixa de rodagem, quem sabe, a ouvirem bagpipes ou música celta
no rádio, nós vamos atentos ao desvio que nos levará pela primeira vez a um
caminho marcado para bicicletas. Tudo corre bem durante uma dezena de
quilómetros, altura em que, junto de uma pequena floresta, voltam os caminhos
de pé posto. Olho a cartografia, olho as opções e comunico que seria melhor
desviarmo-nos para o outro caminho que seguia pelo sopé da montanha e nos
levava à estrada um pouco mais acima do track.
Segui sozinho, prefiro pedalar, exceto
se o spot estiver num local inacessível, então chego lá nem que seja com a bike
às costas. Não era o caso. Seguimos em 2 grupos por caminhos diferentes e ficou
combinado o encontro na próxima povoação.
Cheguei primeiro ao hotel - este
afinal marcava a tal povoação - bem em cima da linha do nosso track. Sem
comunicações, esperei. Questionei a 2 trabalhadores (adorava escrever aqui as
expressões e a pronúncia desta gente. Autênticos “mates”), se tinham visto 2
ciclistas. Num discurso que me fez lembrar as séries inglesas muito antigas
sobre a ruralidade desta ilha, percebi que talvez tivessem seguido em direção
ao supermercado que ficava a 4 milhas noutra direção. Caminhei um pouco até
obter um sinal mínimo de cobertura no telemóvel, liguei e enviei sms a indicar
que o nosso próximo ponto de encontro seria o famoso castelo de Eilean.
Por
telemóvel, algumas horas depois:
-
Ricardo, estamos a 1km da ponte de Skye. Onde estás?
-
No Castelo, a ponte que vês não é a de Skye mas a que liga ao castelo.
Desligamos.
Esperamos em ambos os lados, nada acontece.
Volto
a ligar.
-
Não chegaram ainda?! Impossível terem passado por este spot e não o verem. Era
como se passassem em frente da Torre de Belém e ela passasse despercebida -
pensei.
-
Qual castelo, não vejo castelo nenhum.
Conclusão,
na intercessão dos 2 tracks eu virei à esquerda e o Nunes e o Baleia foram para
Skye. Efetivamente quando me dirigi para eles e observei a ponte gigantesca,
não tive dúvidas, ali era a passagem para a outra margem. A estrada é
movimentada, os hostels, albergues, hotéis e B&B sucedem-se e todos têm
lotação esgotada. Nesta temporada há
muitos turistas por aqui - comenta comigo o rececionista do Youth-Hostel.
Bem no início, já do lado de lá da
ponte, vimos o Skye BaseCamp (com 3 vagas disponíveis). Pediam 25£ pelo
dormitório e como o preço não nos agradou, fomos tocando de porta em porta até
acontecer o que descrevi no parágrafo anterior. Já afastados de Broadford, no
hostel de backpackers (colado a uma funerária), fizemos a mesma pergunta. A
resposta foi negativa acrescentando que podíamos colocar a tenda no exterior
por 9£. Declinamos e a simpatia deste rececionista - que conhecia o Alvor e a
praia da Rocha porque aí tinha começado a sua volta ao mundo em veleiro - ligou
para o Skye Base Camp.
Do
outro lado da linha:
-
Estamos cheios. Vendemos há 10min. as últimas 3 vagas.
Voltei atrás no tempo e lembrei-me da
minha conversa com a rapariga do Base Camp. Na altura disse-lhe que não havia
problemas de partilharmos o dormitório com a miúda que já lá estava, e o mais
importante foi:
- Wait. I will
call my friends.
Saímos de um hostel ofegantes e
chegamos ao outro hostel ofegantes. Correu bem, não foi preciso sentirmos mais
este vento (que é mais forte e gelado, pelo menos por agora).
Broadford (Skye basecamp) - Portree - Old Man of Storr- Broadford (Skye
basecamp) - 12jul17
Mesmo sabendo que a meteorologia na
Escócia é temperamental e que podem surgir as 4 estações num dia (a verdade é
que raramente vimos o sol), a exceção aconteceu hoje e o astro esteve connosco
em toda esta ilha de Skye. Enjoamos de asfalto. Vêm-me à memória a frase “o
alcatrão faz mal aos pulmões”. Largamos amarras do Skye basecamp para, sempre
pela costa, podermos atingir o local mítico Old Man of Storr, e quem sabe
desfrutarmos de uma caminhada.
O fluxo automóvel é uma constante, em
Portee as ruas estão apinhadas de gente e a cidade não convida a ficar. Bem
longe e já se avista o maciço montanhoso. Reza a lenda que alguém ali escondeu
um tesouro e que o fez na base de Storr para não se esquecer do local. Carros
abrandam, autocarros param, as pessoas saem em fila indiana e, de máquinas em
punho, registam o momento. É um dos locais mais fotografados do mundo,
presumivelmente porque alguém criou uma aura de misticismo em torno de Storr. A
nossa opinião é unânime, a montanha pariu um rato. Abrem-nos o portão e a cada
metro que andamos, somos o centro das atenções. Os turistas vibram. Os que
estavam a descer, olham para trás; os que são ultrapassados na subida, param.
Atingimos o nosso topo, não havia necessidade de ver mais pois tínhamos todo o
caminho inverso para percorrer.
No frigorífico do hostel ainda estavam
os 2 tupperwares de arroz que sobraram ontem (nem com a etiqueta a indicar “free”
lhe tocaram). Estava-nos destinado.
Broadford- Malaig- Fort William -13jul17
Hoje era dia de abandonar Skye. Ficámos
pela metade da quilometragem planeada para esta ilha. Um dia, quem sabe, um de
nós com um veículo a motor junta-se a esta multidão de turistas.
Havia uma opção alargada de horários
para aproveitarmos o ferry que nos levaria a Malaig. A partir desta vila
piscatória seguimos por uma cénica estrada costeira abraçada por praias de
areia branca. É uma zona de veraneio, mas a verdadeira questão é que ninguém
sai das caravanas. O sol não faz parte dos postais ilustrados da Escócia. Nós
aproveitamos para o nosso chá acompanhado de bolachas.
Alguns minutos depois voltamos
à estrada para rolar sem abastecimentos durante mais de 80kms. Em determinada
altura digo ao Nunes para fazermos uma paragem na próxima povoação. Eles, na
sua roda 29, voam e acabam por não perceber que um Lodge é quanto baste para
identificar um local. Estacionei a bicicleta, aproveitei para comer e
proteger-me da chuva.
Já percebi que a regra de ouro por
aqui parece ser. Não tenhas tanta pressa. E não faz diferença se viajas de
carro, moto, a pé ou de bicicleta. As distâncias no terreno parecem maiores que
em qualquer outra parte da Europa. Esta é uma viagem lenta no seu melhor,
aproveita-a. Sozinho tens mais tempo para observar, o belo não reivindica por
atenção e por isso precisas de ir bem atento.
Antes de avistar o colorido e o
contraste de dezenas de pessoas numa colina (no Tour de France é normal esta
imagem), presencio outros episódios curiosos. Várias pessoas estão, numa
atitude de conquista e vitória, a estacar a bandeira da Escócia numa posição
elevada. Respondem ao meu aceno e colocam todos as mãos no ar em sinal de
empatia para com um viajante que se equilibra em 2 rodas. Quilómetros depois, diversos
autocarros e carros estacionados suscitam a minha curiosidade. Afinal esta gente
estava só plantada na colina para ver o famoso comboio a vapor do Harry Potter
ou haveria mais razões para tal acontecimento?
Neste vale ergue-se uma bonita ponte
com vários arcos. A qualquer momento irá passar o comboio, foi também neste
lugar que alguns séculos atrás se travou uma batalha. A Escócia começou aqui.
As ciclovias bem marcadas começam a
aparecer e Fort William cativa desde que se avista esta cidade no sopé de Ben
Nevis (a montanha mais alta do Reino Unido com 1300 metros). Cheguei tarde, a chuva
mantinha-se e o frio apesar de não incomodar ainda, fazia-se notar. Encontrei a
rapaziada no Macdonald´s a comer. Fizemos várias pesquisas sobre vagas em alojamentos
antes de nos lançarmos para o malagueiro que estava lá fora. Foi à primeira que
arranjámos um hostal para ficar. Em pouco tempo percebemos que o grupo a seguir
a nós já não teve a mesma sorte. Em conversa com a dona do estabelecimento
percebi que as pessoas nesta altura estão a abandonar a tenda pois estão
cansadas de tantos dias húmidos, com chuva e frio. Com banho quente tomado,
roupa seca vestida e consigo entender ainda melhor a decisão deles.
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Fort Wiliam- Fort Augustus-Inverness - 14jul17
Há vários dias que o Nunes e o Baleia
vinham a salivar com o bike park de Fort Wiliam. Hoje era o dia para eles explorarem
a adrenalina das descidas enquanto eu saía da intitulada Capital do Outdoor,
para chegar também à capital, mas das Highlands, Inverness.
Aproveitei para
conhecer melhor a Route 78 (Caledónia Way), um casal de ingleses (com
bicicletas ainda mais carregadas que a minha) e 2 raparigas que descobri serem
portuguesas assim que ouvi uma palavra na língua de Camões. Entabulei
facilmente uma conversa com estas pessoas com quem me cruzei. Isto também é
viajar.
Percorrer o Great Glen, a fissura
geológica que rasga a região desde Fort William até Inverness pelo lago Ness,
divide a Escócia e onde assenta a Caledónia Way é sentir uma combinação de
diferentes paisagens e pavimentos desde os canais com as eclusas, os
single-tracks em florestas cerradas e as ciclovias.
Partilho alguns destes
caminhos com outros ciclistas e caminheiros até Fort Augustus, outra cidade que
é estrangulada por tanto turismo. Daqui em diante, a single-track road é
partilhada com carros. É impossível não frisar o silêncio e a tranquilidade que
envolve tudo em redor dos lagos. A beleza da arquitetura das construções de
madeira dá muito mais sentido à imagem que temos de uma casa no lago.
Sair de Fort Augustus exige uma
pulsação elevada, pouco tempo depois, dá-me um gozo enorme desfrutar de tanta
velocidade. É espontâneo o meu grito de liberdade registado na gopro e é
notório que os automobilistas percebem a minha euforia.
Fico ao lado do Loch Ness após ter
virado à esquerda na direção das Foyer Falls. Existe aqui uma cascata que
merece uma pausa e nada melhor que um gelado artesanal para saborear o momento.
Faltam 20 milhas tranquilas, a N78 continua a manter intacta a minha paixão
pela natureza. O céu está sombrio, não é novidade nem nada de novo. Ter
dificuldade em arranjar cama também não é novidade. O City hostel é a minha
terceira oportunidade para ter mais comodidade pois consta que na cidade de
Inverness vai decorrer este fim-de-semana os Highland Games.
-
Não tens reserva, não tens cama – era a frase mais ouvida.
O Ali, o rececionista do hostel é
indiano, sabe perfeitamente como gerir cada metro quadrado desta mina de ouro.
Explica-me detalhadamente os procedimentos para que possa ficar confortável.
Dá-me o código da cave para colocar a bicicleta no porão e permite que deixe os
alforges junto a ele no exíguo espaço - que serve de receção, de lavandaria e
também de arrecadação – e indica-me o local onde vou dormir. Só o balcão nos
separa. É na sala de convívio e jantar que me vou juntar a 7 mochileiros.
Agora, estão muitos mais e nem conto com aqueles que chegam ao lobby para
fazerem o check-in. Escrevo e mantenho os tampões nos ouvidos, a azáfama é
grande e as portas só fecham às 00h00, depois, só os eleitos terão direito a
colocar o saco-cama no soalho de madeira.
Inverness - Aviemore - Bothy Inshriach – 15jul17 – 43
kms
Passavam muitos minutos da meia-noite
ontem, os saco-cama já estavam estendidos ao longo da cobertura dos sofás que
bordejam esta área comum do hostel. As mesas de bilhar mantêm-se no mesmo sítio
e quando já tenho tudo espalhado, a rapariga loira chama-me. Era a rececionista
que deve ter adorado o visual de eu estar com os calções da piscina vestidos e
diz-me que tem uma cama livre.
-
Quem a reservou, a esta hora, já não vem. Disse-me.
Should
I stay ou Should I go? questionei-me.
Era tanta a tralha que tinha de enfiar nos alforges, sabia que não cabia sem
estar tudo bem arrumado e ainda tinha a acrescentar os sacos de comida.
Demorou, subi ao 3º piso, abro pelo menos 3 portas corta-fogo e chego a um
quarto cheio de beliches. Com a pouca luz que entrava pela frecha da porta
entreaberta, aproximo-me de algumas camas. Ups!! Apalpei alguém. Por sorte,
está um noctívago a teclar. Digo-lhe que procuro uma cama livre, responde que a
de cima está desocupada e rapidamente tira todas as suas roupas de lá. Sou mais
uma sardinha enlatada. No momento, juro que pensei em voltar a descer para
perto da mesa de bilhar.
Já é dia, receio estar a dormir à
várias horas porque sinto-me revigorado. Afinal foi apenas uma sensação. São
06h30, concluo que o bem-estar físico se deve às hormonas do frango inteiro que
comi ontem ao jantar. Devido às circunstâncias, fui forçado a estar muitas
horas acordado. Tive então a oportunidade de ajustar o planeamento para os
próximos dias antes de apanhar o avião para Portugal. Bate tudo certo, no dia
14jul, na etapa 10, estava precisamente em Inverness conforme o previsto.
Para evitar um pouco de estrada até ao
Parque Nacional de Cairngorms, vou apanhar o comboio até Aviemore e começar aí
nova odisseia. Voltar à estação dos comboios de Inverness 10 dias depois,
conhecendo e sabendo o que está para lá daqueles cumes, mesmo com todo este
cansaço acumulado, o pensamento persiste: não há nenhum livro ou filme que
substitua o que estou a sentir neste país.
No intervalo que me resta até à hora
de embarcar, faço o meu périplo pela cidade de Inverness agarrado à gopro, máquina
fotográfica e é bem junto ao City Hostel que encontro o Nunes e o Baleia. Estavam
encharcados, tinham saído muito cedo do barracão onde passaram a noite e ainda
precisavam de comer algo. Conversamos e surge novamente uma visão diferente da
minha. Segundo eles, não vai ser possível pedalar pelas montanhas do Cairngorms
Park pois estiveram a ver o percurso pelo Google Maps e por essa razão vão de
comboio até Edimburgo. Recuando 24h, quando me cruzei com o casal de
cicloturistas do sul de Inglaterra, ele dizia-me que os ingleses usam muito uma
palavra. “Have faith”. You must have faith. Esta fé que tenho, não move montanhas,
mas ajuda-me incondicionalmente a passar sobre elas. O meu veredicto é sempre
depois do resultado, se receasse tanto, não andava de bicicleta por estes
sítios. No entanto, compreendo a posição deles pois tínhamos começado esta
viagem em autonomia pela região mais dura e foram as Northwest Highands que
indiscutivelmente nos marcou mais fundo.
Aviemore é uma vila voltada para a
montanha. A maioria das lojas foca-se nesta vertente desportiva. A viagem de
comboio durou 1h e poupou-me 55kms (na maioria por estrada) e é quando saio da
estação que cometo um grande lapso. Ia com a povoação de Carrbridge na cabeça e
é para lá que sigo. Dirijo-me para norte, sou atraído pelo magnetismo, tal como
gira a agulha da bússola.
As montanhas ficam nas minhas costas e
em pouco tempo estou a rolar na National Cycle Network 7, uma estrada tranquila
que me leva até à ponte do séc. XVIII e parece ser a atração deste sítio.
Observo um grande parque aventura e salta-me à vista os escorregas de água como
se fosse também um parque aquático.
Está um dia ventoso, com chuva, nada que
me surpreenda nesta latitude. Fico espantado. Pior fiquei quando a placa com a
indicação Inverness me surge pela frente. Rolei 10kms em sentido contrário, já
não estava espantado, sentia-me danado. Não existia alternativa, tive de
percorrer a mesma estrada até Aviemore. Parei numa das muitas lojas de
equipamento de montanha para colocar algumas questões. Mostrei o track no gps e
interroguei sobre a dificuldade do percurso. A fila ao balcão aumentava e as
cartas militares para verificar o itinerário estavam abertas sobre ele,
sentia-me agora em casa. Absorvi cada traço, cada linha inscrita maquelas
quadrículas, era exequível o meu plano. Agradeci e fui à procura de local para
pernoita.
O youth-hostel e o bunkhouse estavam
completos (penso que havia mais uma festa na terra) e nisto dizia um escocês
que devia ter planeado. O troco que levou foi que, nas highlands em bicicleta,
as coisas nem sempre correm como planeado. Dali fui até ao posto de turismo
para receber informação completa sobre a meteorologia nesta região. Estava
convencido a atravessar o Parque Nacional e precisava de estar precavido.
Entretanto, no gps, sem sucesso, tento verificar quantos quilómetros são até
Pithlochy ou Perth? Não é possível calcular a rota, agora, quando olho os mapas
percebo porquê. A A9 é interdita a bicicletas. Há 2 opções, seguir no comboio
ou cruzar as Cairngorm Mountains e seguir o rio Tilt pelo pass de
Killiecrankie.
Good weather para amanhã e depois.
Coloquei dentro dos alforges mais uns enlatados, pão e abastecei de água (no
supermercado a menina indiana queria que comprasse água. Hello!!! Não falta
água na Escócia, já meti tantas vezes os bidons nas ribeiras. Já me lavei neles.),
agora é só tirar as tampas dos bidons e aguardar uns minutos pois não pára de
chover.
A mancha verde que cobre as ondulações
à minha frente não tem semelhança com outro local onde tenha passado. A reserva
do Parque Nacional de Cairngorm é a maior do Reino Unido e merece o meu último
esforço antes de sair da Escócia. Entranho-me no bosque florestal, são muitas as
bicicletas que vejo a circular e é a um ciclista que pergunto o melhor caminho
e qual o seu estado de conservação?
-
Qual Bothy? Há tantos por aqui.
-
Vou para Inshriach.
-
Não tens problema, é tranquilo.
No meio de tantas dúvidas, de tanto
tempo indeciso, penso que só não faz quem não tenta, quem não ousa ou como está
escrito na manga do casaco que me aquece “Eu pedalo para vencer.”
Chego mais facilmente do que imaginava
ao bothy. É literalmente uma cabana no meio do bosque. No interior existe um beliche
e alguns jerricans que já estiveram cheios. No total não têm mais que um copo
de água e é com esta quantidade que faço a minha higiene. Mais tarde, disponho
sobre a cama toda a comida que trago comigo, preciso avaliar, distribuir as
porções e saber o que posso comer hoje.
Bothy -Blair Athol-Perth ( de comboio até
YH) -16jul
Todos
os caminhos na Escócia deviam ser como os que encontrei nestas montanhas. Há
zonas duras, muito técnicas sem ser necessário empurrar a bicicleta, no
entanto, tem muitos single-tracks e não existe aquela quantidade bíblica de
pedras a cada metro.
Perdi a conta às vezes que cruzei o
primeiro rio que acompanhava. A água gelada por vezes tocava os joelhos.
Precisava levantar a bicicleta e também escolher sempre o melhor local para a
travessia. Comecei a cantar uma música cujo ritmo hoje está na moda. “Passinho
a passinho, bem devagarinho, eu vou cruzando, as montanhas da Escócia. Estou a
levar uma coça.” Centenas de passos depois eu continuo noutro registo.
“Passinho a passinho, bem devagarinho, eu vou molhando os pés nos rios da
Escócia.”
Pedalo há várias horas num
single-track situado a meia encosta. À minha frente forma-se um desfiladeiro
imenso, as cores são puras e sobressaem pela sua frescura. Estou entrincheirado
no meio de 2 montanhas e sigo a corrente do rio Tilt que me levará para zonas
mais planas.
Já comi quase tudo o que levava do dia
anterior. Restavam algumas fatias de pão que podiam entrar como único recurso.
O cansaço já era grande e felizmente o caminho a 10kms do final melhorou imenso.
Só o vento que sopra de frente consegue ter intensidade para corroer o corpo.
A meteorologia mantém-se estável com
boas abertas de luz. Vou avançando para mais perto da civilização e eis que começam
a surgir muitos betetistas para aproveitar estes trilhos e pontes metálicas que
servem de apoio para cruzar as secções mais complicadas do rio (algumas datam
do ano 1900). Ao final da tarde surgem os portões metálicos dos jardins
palacianos de Blair Athol e regozijo-me com toda a estética envolvente. Sinto prazer,
deleite, satisfação, exultação. Que a força colossal destas palavras tenha em
vós o mesmo impacto que senti neste local. Esqueci-me de dizer que também tinha
uma fome incrível e a minha prioridade era comprar comida para recuperar
depressa.
Perth (YH) - Forth Bridge - Edinburg -
17jul
Falta um dia para acabar esta
aventura, por pouco não acreditava que iria usar os óculos de sol e o protetor
solar. Larguei a bela suite com casa de banho privativa onde descansei a noite
passada no YH de Perth e parti estrada fora.
Por vezes criam-se condições que no
fazem equacionar, reajustar, e provavelmente de um momento para o outro alterar
as diversas opções que já se haviam
tomado. Eu explico: há 2 dias, quando saía do bothy no meio da montanha
equacionava chegar a Pithlochry e apanhar o comboio para Edinburgh porque tudo
apontava que o caminho ia ser desinteressante. Sem o camping gaz (quem tinha o
bico era o Baleia), ao jantar no bothy comi apenas um enlatado, algum pão,
banana, doce e queijo. De manhã consegui comer granola com água e ao longo do
dia foram-se as bolachas, os chocolates bounthy e pouco mais.
Quando cheguei a
Blair Athol estava desgastado, nem pensar em chegar até à próxima cidade, o
melhor era mesmo fazer a ligação de comboio. Entrei na primeira - e talvez a única loja - que por sorte estava aberta ao Domingo e
abasteci. Na plataforma dos caminhos de ferro espalhei roupa para secar e comi enquanto
aguardava a chegada do comboio. De barriga cheia, o pensamento claro vinha até
mim e achei que o melhor era seguir já para a Capital. Liguei ao Baleia para me
reservar um quarto no mesmo hostel onde estavam em Edinburg.
Conferi a ligação de comboio, tinha de
fazer um transbordo em Perth porque este era o último e ia para Glasgow. Isto
significava chegar às 22h30 à Capital da Escócia, era muito tarde para quem já
estava no meu estado. Fiquei alojado no youth-hostel em
Perth. À chegada, enquanto fazia o check-in dialogo com os residentes e
questionei a viabilidade e beleza do trajeto até Edimburgo. Não seria melhor ir
novamente no comboio da manhã (que provavelmente iria cheio de pessoas para
irem trabalhar) até à estação de waverley? – pensei.
-
Não podes perder a Forth Bridge. As estradas são todas secundárias, se estiver
bom tempo, aproveita e vai a pedalar.
A decisão foi adiada para o dia
seguinte, dependeria muito de quanto o meu corpo recuperasse da fadiga. A
proteína era essencial para reconstruir músculo. Comi salmão fumado, uns bons
bifes do lombo, guarnecei com sopa, cuscuz e finalizei com um iogurte.
Acordei, estava sol e eu era um homem
novo. Besuntei-me de protetor solar, coloquei os óculos e mantive a fé neste
país que nunca desilude. Se há estradas pelo campo, elas estão na Escócia. Os
condutores seguem pela A9 e é praticamente nulo o tráfego por estas artérias.
Vejo inclusive grupos montados a cavalo a percorrer pequenas ruas que vou
cruzando. Penso “This is Scothland”.
Sair de Perth é fácil, basta seguir as
placas que indicam o nº 775 da National Cycle Network. A sinalização para as
bicicletas é uma preocupação constante, é por estas que me guio na enorme
confusão criada pelas obras de uma nova ponte que cruza a grande massa de água
que vejo no gps. É para a famosa Fourth Bridge Road que dirijo a bicicleta.
Faz sentido fazer esta ligação até
Edi, atravessar um braço de água maior que o rio Tejo por uma ponte igual à
nossa? Faz. Na maioria das vezes, só sabemos se valeu mesmo a pena, se formos lá. É a minha
opinião. É longo o tempo que levo a percorrê-la. Observo cuidadosamente a ponte
do caminho de ferro (é Património da Humanidade e figura nas notas da Escócia),
e do lado direito a nova ponte a ser construída. A ponte abana, as fotos saem
desfocadas e o equilíbrio na bicicleta ganha uma nova dimensão.
É fenomenal a diversidade e
abrangência do cenário que consigo abarcar à medida que a viajem vai chegando
ao fim. Persigo a placa route nº1 e a indicação para o CityCentre. A única
forma de poder haver engano é estar distraído com tudo o que me rodeia. Chegar
assim, a qualquer cidade é sempre especial. Ui!!! Há turistas em todo o lado.
Magotes de gente à espera do sinal verde, outros magotes de gente espraiados na
relva a aproveitar o sol e mais magotes de gente a rolar em bicicleta sem falar
nos magotes de gente nos autocarros e a sair da estação de Waverley.
Quero voltar para a ilha!!! Mas na
ilha já eu estou. Então eu quero voltar para as highlands, ou, não sendo
possível, quero o melhor sítio do mundo para viver. Portugal, mesmo cheio de
portugueses (há vários episódios curiosos que que merecem a diferença de
cultura. Refiro 2: não me deixaram ficar a dever 1pence. Onde quer que nos
cruzemos com um carro, mesmo a longa distância, ele cede-nos passagem).
A roda da frente que transporta um
raio partido há vários dias, depois de todo o massacre do piso duro de terra e
demasiada lama, começa a ficar empenada.
O trajeto de Inverness para Edinburg
foi desenhado no site da Sunstrans (site inglês com muita informação
ciclística), onde, diante das várias opções disponíveis, escolhi uma rota
equilibrada ente rapidez e beleza. Serviu na perfeição, mesmo no Cairngorm
Park, o rumo traçado ajudou a tomar grandes decisões naqueles momentos em que
para onde quer que olhemos, só existe paisagem. Relembro que tinha pouca
resolução de pontos, no entanto, complementado com os sinais que surgem em qualquer lado, torna-se uma ferramenta
muito útil para quem quer explorar o ”lado de fora da Escócia”.
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