Arquipélago
dos Açores - O lugar é vital para sermos quem somos
25º 31 W
39º 36N
03ago17 S.Miguel (Dormida na tenda no parque Urbano de Ponta Delgada) - 22km
À saída do avião deu logo para sentir
a humidade da ilha. O céu está coberto, o bafo é húmido e quente. Conforme ia
caminhando para fora do aeroporto em direcção ao centro da cidade, ia-me
apercebendo como o meu corpo reage perante a natureza. Senti logo que estava no
meu habitat, tudo parecia estar em harmonia. Caminhava, há largos minutos, na
estrada que serve exclusivamente o aeroporto e levava a mochila às costas e um
saco sobre os ombros quando de repente tive um insight do primeiro filme do
Rambo. Lembrava-me daquela imagem em que
ele também caminhava numa longa estrada com um saco de lona verde, e à entrada
de uma localidade, foi abordado por um carro da polícia e a parelha
transmitiu-lhe que não queriam vagabundos a entrar na cidade. Não me sentia vagabundo,
estava a ser um cidadão que desta vez não recorria à bicicleta para se deslocar
porque a embalei e despachei uma semana antes de barco (mais barato, leva-se
mais material e é mais seguro).
Um
Renault Clio abranda e diz-me o condutor:
-
Quer boleia para o centro da cidade?
Estou às portas da cidade, tenho a
morada do transitário e já tinha pesquisado no google maps onde se situava bem
como pontos de referência perto. Pelo caminho indaguei na Polícia Marítima pelo
nome da rua e a resposta era para continuar a subir pois ia bem. Já tenho a
roupa colada completamente colada ao corpo.
Pergunto novamente a um transeunte onde
fica o transitário ilha azul? As palavras saem em açoriano genuíno e não
entendo nada, mas o problema não é no canal de comunicação. Indicam-me que é
fora de Ponta Delgada. Outra pessoa diz-me que é para os lados do aeroporto.
Confuso, pego no telefone e peço pontos de referência sem obter sucesso.
Continuo a subir, estou mesmo perto da Hotel que tinha para me orientar. Nova
pergunta e novo tiro na água. Volto a ligar (já me devem conhecer do outro
lado), e quando me dão indicações para seguir na via-rápida, interrompo
dizendo:
-
Eu estou a pé.
-
A pé!!! Então só chega cá amanhã. Peça para vir para o Azores Park, dizem-me do
outro lado da linha.
Só me resta apanhar um táxi para
resolver esta charada e em conversa com o taxista perceber que é difícil
entender onde ficam algumas moradas. Estava a 10€ de distância.
Já
na rua, estou em frente ao pavilhão a iniciar a montagem da bicicleta. O vento
traz o cheiro a merda de vaca. São imensas as que se vêm ao longo dos prados
verdes em redor desta zona industrial. Foram quase 2h neste registo enquanto
tentava segurar toda a carga na bicicleta. Ia pedalar em modo bikepacking e
sempre que possível iria deixar o saco de lona escondido ou guardado em
determinado local. Desta forma poderia viajar mais depressa e aproveitar os
caminhos mais difíceis das ilhas que iria visitar. Abdicar dos alforges para transportar
apenas um saco estanque (construído por mim), não foi uma grande ideia.
Totalmente equipado - com tenda, fogão, tachos, etc - para uma autonomia que me
permita desconectar da rotina diária, percebi, após sucessivas tentativas de tentar
colocar o saco sobre o porta-bagagens, que devido às suas dimensões, o
equilíbrio seria uma tarefa trabalhosa. Tive de passar na Decathlon e com mais
uma fita de amarração minimizei o deslizar do saco.
Saí tarde do Azores Park e já não foi
possível efetuar um percurso que tinha planeado até à lagoa do fogo. Inverti o
sentido, pedalei sempre junto à via rápida em pequenos caminhos que dão às pessoas
a possibilidade de comunicarem entre os pequenos terrenos e o acesso para se
movimentarem noutros veículos proibidos na via rápida.
Não tenho alojamento marcado para a
minha primeira noite. Tinha delineado estar bem longe do centro de S.Miguel mas
numa viagem em 2 rodas é sempre bom estar preparado. A pousada da juventude não
atende nem retribui os meus telefonemas. Não consigo confirmar se tenho
disponibilidade para dormir debaixo de teto esta noite. Com tenda tenho sempre
alternativa, por isso só me resta abastecer, cozinhar o jantar e estacar a
tenda no Parque Urbano de Ponta Delgada.
P.S
– Tive que comprar um cadeado pois a chave que trazia não era deste cadeado.
Comprei mais uma câmara de ar pois as 2 câmaras remendadas em Portugal chegaram
vazias
04ago17 Parque Urbano de Ponta Delgada –
Terceira (casa no milharal) - 40km
Escrevo enquanto atravesso o Oceano
Atlântico no ferry que me leva para a praia da Vitória na ilha Terceira. Na
hora de embarcar tive mais um momento de aprendizagem. É necessário efetuar o
check-in, tal como nos aviões, a bagagem é despachada à parte e tudo é passado
a raio-x. Como diz uma das leis da física, o mesmo espaço não pode ser ocupado
por 2 coisas ao mesmo tempo. O saco-estanque já vinha nos limites da sua
capacidade, adicionei alguns géneros alimentares e alguma coisa teve de sair.
Foram as 2 botijas de camping gaz (estavam quase vazias. Eram sobras de outras
aventuras), que entraram na mochila. Tive azar, não sabia que era proibido
levar este material a bordo. Ficaram em terra, só me resta a esperança de
encontrar uma botija azul em Angra do Heroísmo.
Faltam muitas ilhas e o isolamento
ainda nem sequer começou, podia efetivamente utilizar as estradas costeiras,
comer nos restaurantes que encontrar e assim percorrer quilómetros sem
sobressaltos. Ninguém duvida que os melhores spots estão quase sempre em locais
pouco acessíveis e por isso procuro fugir ao turismo de massas que neste mês de
agosto parece invadir tudo. Precisamente quando arrumava o bloco, pensava eu
que era o fim da história desta viagem de 4 h, eis que começam a surgir os
primeiros vómitos de alguns passageiros. A baloiçar, a baloiçar, navego neste
ferry que parece “dar saltos”. Eu vou entretido a ver golfinhos e a tentar
concentrar-me na leitura de um dos livros de Armstrong que trouxe impresso em
folhas soltas. Começaram 193 páginas cujo peso é bem notório e à medida que os
dias avançam, vou largando papel, ficando mais leve.
Nos altifalantes mandam, por questões
de segurança, sentar todos os passageiros. Ahhh, valentes marinheiros
portugueses que em naus e caravelas descobriram meio mundo. Não entendo como
digeri tão rapidamente os 3 iogurtes com aveia cozida ao pequeno-almoço. Sinto
um vazio no estômago, parece que tudo desapareceu. Baldes e esfregonas de um
lado para o outro, a tripulação começa a distribuir mais sacos para o enjoo
enquanto eu penso no café e pastel de nata ou no pão com queijo S.Jorge que
estão lá em baixo no porão.
Sem saber dizer o momento exato, algum
tempo atrás alertaram para a proibição de voltar às viaturas a partir do
momento em que o ferry iniciasse a sua marcha. Tive que tentar a minha sorte,
faltava muito para atracar e este oscilar abre-me o apetite. A baloiçar desta
maneira não sei como conseguem tirar imperiais. Eu bem tentava não entornar enquanto acompanhava com um saboroso queijo S.Jorge. É verdade que passei parte do tempo a arrotar e com
uma indisposição esquisita, mesmo assim consegui conservar tudo dentro do
estômago.
A temperatura a bordo é gélida, no
chão, a dormir, algumas pessoas usavam saco-cama, outros tinham um pequeno
pedaço de tecido extra a cobri-los. Eu mantinha o casaco térmico, cada vez que
ia ao convés apanhar ar, estava um bafo quente. Que discrepância.
Chegámos à praia da Vitória para lá da
1hora da tarde. Preparo a bicicleta e faço-me à estrada para ir mirar os
cerrados. A um metro do chão erguem-se muros de pedra de origem vulcânica que o
homem sabiamente empilhou e aproveitou para delimitar terrenos. As orquídeas
também são uma constante na subida para a serra do cume. É do topo desta montanha
que se avista a manta de retalhos; de um lado, toda a planície das Lages com a
sua Base Aérea bem visível, do outro lado, espraio o olhar sobre os quadrados
verdes divididos por linhas escuras e fico rendido a esta herança vulcânica.
O trajeto a descer coincide (durante
algum tempo) com o troço que fiz minutos antes. A diferença é que agora vou 10x
mais rápido, ultrapasso manadas de vacas e algumas atrapalhadas ainda tentam
fugir de algo que não compreendem.
Sigo paralelo a mais uma via rápida.
Em Ponta Delgada tinha-me surgido a mesma situação. São vias de acesso
paralelas que servem para guiar o gado, ligar povoações e conduzir os tratores
entre propriedades. Se não fosse pela largura, diria que pela cor, eram
ciclovias. Uma terra cor de tijolo vai sendo sulcada pelos pneus cardados que
suportam uma bicicleta com peso xl.
Algar do Carvão, uma cratera de vulcão
visitável. Está a 100 metros de profundidade, era o meu próximo highlight.
Tinha como handicap abrir das 14h às 18. A busca por uma botija de camping gaz
e a reserva do bilhete de barco para S.Jorge, eram a minha prioridade nesta
ilha. Desviei para Angra do Heroísmo onde cheguei já ao final da tarde. Com
esta alteração de rota, iria estar na cidade dos sete frisos da calçada
portuguesa em dois dias diferentes. Resolvi as prioridades e ainda obtive no
posto de turismo as folhas impressas com o voo de S.Jorge e as passagens de
barco que tinha reservado para ir ao Pico e voltar. Quando saí do Continente
não obtive em tempo útil a confirmação destes pedidos. Estamos em agosto,
turistas não faltam, não podia correr o risco de perder uma ligação de regresso
na data pretendida. Com as poucas opções disponíveis podia comprometer a minha
viagem para casa.
Para sair desta cidade ao nível do mar
é preciso subir. Abasteço num supermercado local, levo alcatra para a cozinhar
à minha maneira. A chuva acelera a minha procura de espaço para colocar a
tenda. Rolar à direita por vezes não me parece normal (passou pouco mais de uma
semana desde que regressei da Escócia), e pouco normal me parece a construção
de tijolo no meio do milharal. Quatro paredes levantadas, uma chapa de zinco,
sem portas ou janelas, parece ter a dimensão suficiente para pousar a tenda no
seu interior. Esta foi a melhor forma para me abrigar do vento, chuva e da
sujidade que cobre o chão de cimento.
É mesmo agosto, festa do emigrante.
Não é que alguém está a ensaiar num palco algures e o som estremece até esta
humilde casa? Parece que tenho de meter os tampões nos ouvidos para dormir.
05ago17 (casa no milharal, perto de
VinhaBrava) – Angra do Heroísmo- S.Jorge (barco das 16h) (YH na Capela) – 57kms
A música de ontem era forte, mesmo com
os com os ouvidos tapados conseguia ouvi-la. Não é o meu estilo favorito, mas
rapidamente teve de se transformar numa oportunidade para me embalar. Neste
casinhoto não é difícil perceber como está o tempo lá fora. O céu está cinzento,
mas por enquanto não chove. Não piso o milho, saio para a estrada e embrenho-me
no nevoeiro cerrado que envolve tudo. Quando surge um pequeno café (nestes
sítios também é mercearia e bazar), aproveito para abastecer de água porque
dificilmente encontrarei outros locais para o fazer.
Mais acima lá está a via rápida que é
preciso evitar. Percebo melhor agora as esquisitas curvas que a linha do track
tem no écran do gps. Significa que são desvios pelos antigos caminhos de terra
batida. Chego cedo, muito cedo a Algar do Carvão. São 09h00 e a casa de apoio a
esta gruta só abre às 14h. Julgava que podia ter acesso de outra forma a este
local subterrâneo, mas enganei-me. Poucos quilómetros adiante visito as furnas
de enxofre e pouco mais consigo vislumbrar no horizonte que não seja o que me
surge a poucos metros. Simultaneamente com o nevoeiro cai uma chuva miudinha,
neste enquadramento, a sensação é de estar a olhar para algo, mas com os olhos
turvos ou desfocados. Ansiei desesperadamente por uma aberta da meteorologia. Mesmo
encharcado, não se sente o frio. Parece que estou num banho turco, de capacete
e roupa de lycra. Sigo para Biscoitos, deixo a placa à direita para subir em direção
à gruta do Natal. A envolvente cheia de árvores de grande porte e densamente
plantadas em conjunto com o nevoeiro criam uma atmosfera nostálgica, não diria
romântica pois só circulo com a bicicleta. Por muito amor que lhe tenha, apenas
posso deslocar-me nela. A lagoa de poços negros está bem à minha frente. O
acesso à tal gruta é feito por mais uma casa de apoio que está fechada. Demoro
algum tempo a saborear o local enquanto verifico que o meu caminho é
coincidente com uma pequena rota marcada. Começo a aproximar-me de uma outra
lagoa de nome Falca onde foi criada uma zona de lazer com churrasqueiras,
bancos e mesas e playground para miúdos.
Que lindo spot isto dava para a minha tenda, pensei. Já vi em outras paragens como na Islândia e highlands escocesas como o verde pode ter muitos tons. Aqui a beleza desta cor vive em contraste com um imenso Atlântico imensamente azul. No caso específico deste parque, estes tons sobressaem num gritante contraste com a cor de tijolo dos caminhos, que molhados ainda parecem mais vivos.
Que lindo spot isto dava para a minha tenda, pensei. Já vi em outras paragens como na Islândia e highlands escocesas como o verde pode ter muitos tons. Aqui a beleza desta cor vive em contraste com um imenso Atlântico imensamente azul. No caso específico deste parque, estes tons sobressaem num gritante contraste com a cor de tijolo dos caminhos, que molhados ainda parecem mais vivos.
Cruzo a serra de Sta. Bárbara que se
eleva a uns míseros 300 metros do Oceano. As suas encostas junto das bermas da
estrada estão carregadas de hortênsias azuis. É um manto florido, um cartão de
visita que levo da Terceira. Lá de cima a ordem pela qual me surgem os nomes
dos lugares de 5 ribeiros, 12 ribeiros, não é a mesma que observo quando estou
quase ao nível da água. São vários os carreiros
que me permitem atalhar para perto do Atlântico. Saio da serra, viro à esquerda
e surgem os mesmos nomes pela ordem inversa. Estas vilas povoam meia-encosta e
voltam-se para um Atlântico que as contempla.
As praias são esplêndidas e não
precisam de areia para as tornar mais belas. Não há sol, não há banhistas. Já
avisto o monte brasil pelo lado Ocidental, o forte militar e os telhados do
quartel instalado no seu interior. Conheço bem o dia-a-dia daquela Praça
d´Armas porque em 2014 já tinha estado em S.Miguel e Terceira em trabalho.
Cheguei a alugar uma moto, mas não fiquei a conhecer em profundidade estas 2
ilhas. Só em 2 rodas movidas a pedal chegamos, registamos e ficamos com cada
pedaço de terra entranhado em nós. Não dá para esquecer, cada metro desta
superfície no meio do Atlântico que foi conquistada com muita cadência nos
pedais, uma respiração ofegante e um bater do coração de quem não abdica do seu
sonho de conhecer o mundo em comunhão com a natureza, a pedalar, uma vida por
um ideal.
Estou novamente em Angra, um dia
depois, mas agora com mais tempo para desfrutar da zona antiga. Os doces
D.Amélia da pastelaria “o forno” são confecionados há séculos. Só há pouco
tempo os conheci e tive o prazer de provar. A minha pesquisa prévia sobre as
ilhas tem muitas dicas dadas por outros viajantes nestas paragens, no entanto,
na substitui a opinião do habitante local. Do ser humano que aqui vive, que
conhece e sabe melhor do que ninguém, o que fazer, comer e ver. Foi na praça
velha que um casal de açorianos me ajudou a encontrar alguns restaurantes com
comida típica da região. Logo ali, no café Aliança, do outro lado da praça,
estava tudo o que precisava.
Recordo que a Terceira respira
tauromaquia. São inúmeras as pequenas praças de touros espalhadas pela parte da
ilha que vi. Vi ainda que, onde está hasteada uma bandeira portuguesa, está uma
bandeira americana logo ao lado. Desconheço se a emigração para o outro lado do
Atlântico é ainda uma realidade tão forte como foi no passado.
Às 16h, tenho o barco para S.Jorge. No
caminho passo no balcão da Atlântico Lines para levantar o cartão de cidadão.
Tinha-me esquecido dele ontem. O navio vai cheio, mas é relativamente pequeno
comparado com o que faz a ligação para a Terceira vindo de Ponta Delgada. Não
há controle de bagagem, por isso as botijas de gaz passam com distinção (desta
vez arranjei uma forma de as tentar dissimular algures dentro do tacho). Foi
pena não ter sido testado.
S.Jorge à vista. A orografia mete
respeito, lembro agora as palavras do guia da natureza que encontrei junto aos
poços negros na Terceira. Estou no 2 piso do convés do navio empunhando um gps.
Tentava perceber qual seria o melhor sentido para executar os tracks que trazia.
Desembarcava na Calheta e lembrei-me que seria boa ideia largar os 10kg extra
algures. Se pernoitasse na pousada da juventude ou parque de campismo tinha
essa possibilidade. A pousada estava lotada, havia a hipótese de colocar uma
cama extra na capela, mas tinha de voltar a ligar para confirmar se era
possível. O parque de campismo estava no caminho da pousada e resolvi aparecer,
recusar presencialmente uma noite de descanso a um homem cansado é sempre mais
difícil. Aguardei no átrio, havia muita gente para fazer check-in. Parecia que
cada vez chegavam mais, entretanto, dei um pulo à rua e fui vasculhar os
arredores. Não precisei de subir 50 metros para encontrar uma densa vegetação
com algumas clareiras onde podia instalar a tenda caso algo corresse mal. Fui
abençoado com uma cama na capela. Foi, literalmente, uma noite santa naquele
espaço tão amplo.
06ago17
S.Jorge (Pousada da Juventude) –Portal- Fajã vimes-Fajã bodes-Portal- Reserva
Florestal Silveira- Ribeira Seca -Norte pequeno-Camping selvagem perto do Yhostel
63kms
Não parece agosto aqui nas ilhas. Caiu
uma tromba de água de madrugada e agora à noite, na tenda, volta a chover. Tive
que recolher rapidamente e de terminar o vinho de Setúbal no cubículo da minha
tenda. Uma pena…
Voltando ao inicio do dia aquando da
minha opção de circular pela ilha seguindo pelo lado oriental deparo com uma
situação ingrata que me força a voltar para trás. Nesta ilha cujas encostas
verticais caem até ao Oceano e onde as suas inúmeras fajãs são famosas pela
beleza, decido visitar a fajã dos Vimes e logo a seguir a dos Bodes. O percurso
pedestre fascina pela envolvente à medida que vou avançando até estas fajãs.
Muros de pedra escura, a cor desta terra, as encostas enormes cobertas de
vegetação cativam o ser humano mais distraído que aqui passe. Junto a uma
cascata vejo o fim do meu caminho, as pedras da ponte juntam-se ao emaranhado de
pedras existentes por todo o lado. Não poderia seguir para o Lourel pequeno e
grande e assim executar uma linha contínua que me levaria a subir até à serra
do Topo e encontrar outra pequena rota até lá abaixo à fajã da Caldeira de
Santo Cristo.
Foi
necessário inverter o sentido, mas desta vez não optei pelo percurso pedestre.
Segui estrada acima até à vila do Portal. Esta povoação estava demasiado longe
do caminho que descia a pique para as fajãs do lado norte. Sentia nas pernas o
cansaço de cruzar a ilha pelo meio. Optei por manter-me na estrada que os
automobilistas utilizam para chegar à fajã dos Cubres. Fiz imensas paragens
para observar de cima aquele lugar aclamado como uma das maravilhas de
Portugal. Confesso que não ignorava o que me esperava no regresso. Quanto mais
descia, quanto mais ia avançando para um dos lados que sabia não ter saída,
assumia que não tinha alternativa.
Estava ali para ver de perto a fajã
dos Cubres. Também ali refletia que era importante conhecer a Caldeia de St.
Cristo, pois todas estas fajãs, apesar do denominador comum que se criou em seu
redor da sua beleza, as paisagens são sempre diferentes. É frequente cruzar-me com
moto 4. São estes veículos que substituem os animais de carga e que transportam
tudo o que é necessário para servir a população ali existente. Foi necessário repetir o trilho nos 2
sentidos sem nunca sentir isso como algo menos positivo porque a perceção do
cenário é sempre distinta. Os grupos de caminheiros não param de aparecer,
vejo-me com dificuldade em vestir os calções de banho para provar as águas do
Atlântico que entram pela fajã dos Cubres. Precisava de um banho revigorante
antes de voltar à serra do Topo. Dali, para retornar à Calheta apenas tive que
preocupar-me com a “velocidade em excesso”.
Final da tarde, hora de comprar algo
para o jantar, decidir onde dormir e desta vez ir buscar a carga extra que
ficou na sala de bagagem da pousada da juventude.
Posso agora voltar ao primeiro
parágrafo do registo deste dia. Para onde foi o sol? Bebo mais um copo e brindo
a esta sucessão de momentos que não se repetirão. O canto dos pássaros nesta
natureza livre são para mim um convite a não abdicar da tenda sempre que
possível. Mesmo que chova, como é o caso desta noite
07ago17
Camping selvagem perto do Yhostel (Calheta) – Velas- Pico (Camping selvagem
após S.Roque)
Acordo cedo, acordo sempre cedo quando
ando em viagem. Assim que nasce o sol começo a arrumar as tralhas. Estou a 50 metros
da pousada, deixei algumas pilhas a carregar e por essa razão, tenho de lá
voltar ao mesmo tempo que aproveito a água quente para me lavar e encher
cantis.
Vou para o porto das Velas, à noite
sai o barco para o Pico. Estava tão próximo do porto da Calheta que, por
excesso de confiança, não liguei o gps pois acreditei que era só seguir a
estrada junto à costa. Passo a fajã grande onde está o parque de campismo e
quando chego ao sinal de estrada sem saída, percebo que fiz asneira. A estrada
nacional passa muitos metros acima da minha cabeça. Ou voltava ao porto da Calheta
ou aproveitava o trilho a meia encosta que entroncava logo a seguir à
localidade de Biscoitos. A inclinação das canadas (ruas pequenas entre casas e
pastagens), é algo assustador. O pavimento em cimento rasgado por sulcos
transversais por vezes não me segura os pés no chão. Arrasto-me para dentro da
vegetação que onde toca, tudo molha. Começo a respirar normalmente quando
atinjo o asfalto. Consigo pedalar. Estou estabilizado, parece que até demasiado
tranquilo até ver a sinalização da fajã das almas. Para poder achegar-me daqueles
lugares únicos à beira do Oceano, o regresso é pago em média com 50 min de
subida. Como muitas vezes não temos uma segunda oportunidade na vida, há que
aproveitar cada momento que nos é oferecido.
Saio para a Urzelina, para provar as
cavacas e as rosquilhas de espécie acompanhado por um café feito no camping
gaz. O aeroporto está logo ali, é meio-dia, o sol que apareceu, entretanto
começa a queimar. Só vou regressar a S.Jorge no dia 12 de agosto, tenho bilhete
de avião mas é importante reservar o lugar da bicicleta ( a Sata há 4 dias que
não responde ao e-mail). No balcão da Companhia, fico a saber que pelo facto de
levar um velocípede posso acrescentar mais 10 kg à minha bagagem. Mais e
melhor, a carga pode ir em sacos separados e nem é preciso desmontar a
bicicleta. Vá, tenho de ser eu a vazar os pneus e tirar os pedais. É nesta
aerogare que dou energia à gopro, lavo roupa e luvas. O cheiro já me incomoda.
Sem máquina de secar roupa, aproveito ao máximo a subida da temperatura e
penduro as lycras no primeiro sinal de trânsito que encontro. Faço tempo, bebo
o resto do vinho da península de Setúbal juntamente com o queijo de S.Jorge. Um
casamento perfeito num momento onde pouco falta para ser especial.
Afinal o porto das Velas ainda é
distante da Calheta e não é assim tão fácil como julgava. No écran do gps surge
a indicação de descida perigosa 2. É um waypoint que pertence ao track de uma
travessia a esta ilha e é fácil de ver que aponta vertiginosamente para o porto
de embarque.
Enquanto preparo a máquina de filmar,
um carro aproxima-se vagarosamente e eu questiono ao condutor:
-
A descida é perigosa? Tem degraus em pedra?
-
Não, as curvas são é muito fechadas. – diz-me o açoriano
Mais um carro. Bem, o tal cimento
riscado com sulcos gera muito atrito, se os travões aguentarem, não terei
problemas – penso.
Valeu cada metro de caminho, cada
milímetro de pastilha e pneu gasto só para desfrutar deste momento. Como só
consigo passar para a outra ilha às 20h40, as 6 horas que me separam do novo
poiso são exageradas e nestas condições decido continuar a conhecer este
pequeno espaço de terra. O posto territorial da G.N.R. funcionou como boia de
salvação. Largo o “saco dos horrores” e pergunto qual o melhor sentido para
seguir a única estrada que dá a volta à ilha e zarpo dali. Vou mais aliviado só que continuo muito
transpirado. Paro no Beiral para uma bebida energética gelada. Não é alucinação
provocada pelos ingredientes da bebida, a beleza exótica do parque das 7fontes
está lá. Não vou escrever sobre o que
vi, não lhe faço justiça.
Falta-me um bom bocado de terra até à
ponta dos rosais no extremo da ilha. Junto a mim tenho o homem que cuida desta
reserva florestal, indica-me o mirador para avistar o Pico e o Faial. Tudo se
conjuga, um dia radioso ajuda a mostrar cenários idílicos.
08ago17
Pico (Camping selvagem após S.Roque)- Piquinho-Madalena (casa Luís mano da Nana) 43kms
Saí
do Gilberto Mariano já em terras do Pico. A hora obriga a usar frontal (por uma
questão de precaução para que pudesse ser visto pelos carros que também saem do
barco). Segui pouco tempo na estrada da costa, o pouco que consegui enxergar
parecia ser culturas de milho. Viro na direção do Pico para um pequeno
aglomerado de casas, é minha intenção, pelo adiantar da hora, acantonar. Já
sinto que estou a subir demais, vasculho com a luz os espaços envolventes na
tentativa de não colocar a tenda junto ao gado. Pela altura da erva rasteira, o
caminho para onde estou a olhar não é utilizado. Abro a cancela, amacio e
nivelo o terreno e ergo aqui a minha tenda. As flores pisadas e amassadas
libertam um odor muito agradável e permitem que o solo esteja isolado da
humidade ao mesmo tempo que providenciam um colchão macio. Não repouso corretamente.
O vento sopra, de um momento para o outro, em pequenas rajadas. Outras vezes
acordo com algo que me sobe nos braços dando comichões. Sei que é tempo de sair
da tenda quando se ouve a sinfonia dos pássaros. É um concerto digno de um
grande auditório, só baixava um pouco mais os decibéis a esta hora.
Ao
contrário dos dias passados nas outras ilhas em que o Pico se apresenta pela
direita ou esquerda (consoante o lado da ilha onde estou), agora deparo-me com
a montanha bem na minha frente e é para lá para cima que vou. Estou num
autêntico corredor verde, o caminho florestal parece puxar-me para trás. Os
pendentes metem respeito mesmo quando viajo aligeirado pois o saco da carga
ficou escondido algures no meio da vegetação. Os minutos parecem andar muito
rápido. Constato que apenas tenho 10cl de água para chegar aos 1200 metros de
altitude. Vai ser uma longa e dura jornada.
Ligo
para a casa da montanha e questiono se é necessário levar saco-cama para
pernoitar na cratera?
- Sim, e também roupa quente e calçado
adequado, respondem.
Estes
caminhos são mesmo isolados, tirando a camioneta de um agricultor que
transporta material, ninguém aqui passa. Também não vejo habitações onde possa
arranjar água potável. Oiço um carro, tenho uma oportunidade e levanto a mão.
Que pontaria. O casal alemão tem na bagageira várias garrafas de água. Tive que
recusar mais do que uma, eles perceberam que estava num estado miserável.
Quatro
horas depois estou na casa da montanha. Parece que foi atingida a capacidade de
carga da montanha e enquanto não descerem mais grupos, ninguém poderá subir. A
lista de espera ultrapassa as 3 horas. Algumas pessoas desistem e dizem que
voltam no dia seguinte.
Com
muito tempo pela frente, as conversas e o consumo no bar aumenta. Vem ao de
cima que é fundamental ter uma tenda para nos abrigar na zona da cratera. Os
cenários colocados são aterradores – as temperaturas podem chegar aos -10ºC,
pode estar muito mau tempo de repente, etc…
Comento
que já vi pior frio e que continuo focado em ir passar lá noite. Um casal de
caminheiros oferece-me uma manta térmica, é mais uma salvaguarda para aumentar
a temperatura dentro do saco-cama. Passo para a outra sala, local onde se recebem
todas as indicações, um rastreador gps e paga-se a subida. Tenho uma longa
conversa com a chefe do Centro que me pôs em alerta por não ter tenda. Informo
que ligara às 09h para questionar se era necessário levar saco-cama e apenas me
transmitiram que sim e que deveria trazer roupa quente. Cumpri à risca as
indicações, deixei o saco dos horrores numa intercessão de caminhos florestais
e pastei 4h até lá acima. Com o cérebro em modo reptiliano (era lutar ou fugir)
percebi que já não queria subir. Não era birra, achei tudo demasiado comercial
e turístico. Por fim, depois de explicar a minha profissão e algumas coisas que
já tinha feito, parece que tinha sinal verde para ir como subida não
autorizada.
Nop!!
Eu cumpro – quase - sempre as regras de segurança e por isso fico-me pela
subida e descida ao Piquinho. É sem dúvida uma ascensão dura, no entanto, pelo
que vejo, as pessoas têm mais dificuldade em vir em sentido contrário e na
generalidade estão muito mal preparadas para a montanha.
Hoje, que fiz o trilho em ambos os trajetos,
percebo porquê? Vêm demasiado devagar e seguem muito o caminho de pedras soltas
e terra. Em tempo bom, desce-se vertiginosamente. As pedras vulcânicas com uns
bons ténis permitem uma aderência extraordinária. Parecia um cabra montês a
pular de rocha em rocha. Às vezes era preciso dar um pouco mais às pernas para
conseguir travar o balanço. Quando entrego o rastreador, o senhor diz que fui
muito rápido. Olho o relógio e sem querer tinha feito menos de 4h. Acima das
nuvens, comi, tirei fotos, respirei.
Com
tudo isto continuo sem tenda. O meu planeamento era contornar a ilha, o
material que permitia parte da minha autonomia estava longe. Pairam sobre a
minha cabeça várias hipóteses:
1.Tenho
saco-cama, vou arriscar e continuar a descer até encontrar algo para dormir?
2.Vou
buscar o saco dos horrores e repetir todo este massacre?
3.A
casa da montanha está aberta 24h. Têm que deixar-me dormir a um canto. Os
preços são elevados e a comida escassa.
4.Vou
ligar a uma amiga que tem familiares no Pico
Bingo,
o irmão da Fernanda mora precisamente para onde queria ir. Na casa de uma
família hospitaleira da Madalena comi garoupa e adormeci numa cama normal. Foi
uma espécie de jackpot.
09ago
Madalena (casa Luis mano da Nanda) - Criação velhas-Monte Currais-Gruta das
Torres Caminho florestal (ligação transversal)-Parque Campismo S.Roque 66kms
Os 2 ilhéus junto ao porto da Madalena
são icónicos. Ontem viam-se bem de cima, parecia que me apontavam a direção
para o Faial.
Multiplicam-se as paisagens da cultura
do vinho, classificadas como Património Mundial. É um privilégio percorrer uma
mão cheia de quilómetros entre as ruas labirínticas dos currais (pequenos
espaços com pedra erguidos para proteger a vinha) desde a Criação Velha até ao
Monte. Aqui perto, dá para ver as entranhas da terra na gruta das torres (um
rio de lava que solidificou lentamente). Encosto-me novamente ao Atlântico para
avistar de perto a vivência balnear de outros tempos. Sigo de porto em porto
até ao porto S.Mateus, em pequenos recantos surgem bonitos spots para tomar
banho.
Não é minha intenção continuar para o
lado oriental da ilha. Tenciono rodear a montanha do Pico utilizando um caminho
florestal assinalado como transversal numa placa à minha frente. Este leva-me
até à estrada nacional que rasga a ilha de ponta a ponta, onde, alguns
quilómetros mais abaixo, numa intercessão destes caminhos, está o saco da carga
escondido no dia anterior. São longas as subidas e são vastos os horizontes
nesta ilha. Já foi a ilha negra em tempos passados (agora nota-se bem a
frescura que brota por todo o lado). Não deixa de existir um grande isolamento,
as povoações estão muito dispersas umas das outras. Continuo a demorar-me nesta
intricada rede de caminhos florestais, só vejo vacas felizes e são elas as
únicas personagens que povoam os montes
Pilhas
fracas!!! Qual é o significado disto? Uma grande dor de cabeça e pernas porque
sem elas, as pilhas, o gps não me vai dizer onde escondi o saco. Eu sei onde
está, não sei é como lá chegar daqui onde estou. Antes do apagão não deu para
memorizar o percurso. Desci, desci, desci até chegar ao asfalto. Confesso que
fiquei baralhado, nunca tinha ali estado e nenhuma referência me era familiar.
Estava tão longe da costa, não podia ser esta a estrada que percorrera ontem às
22h depois de sair do barco. Visualizo
mentalmente as imagens retidas numa noite escura. Se encontrar a estrada da
costa, seguindo-a, talvez conseguia fazer exatamente o mesmo percurso. Arranjei
pilhas, acabou a dor de cabeça, começou a dor de pernas para voltar a subir até
à zona onde marquei um waypoint e deixei o saco. Sei que as aventuras são feitas
destas histórias, mas no momento em que elas acontecem, por vezes não têm graça
nenhuma.
Faço-me à estrada em direção ao parque de
campismo da Furna. Um lugar de excelência onde fico muito bem instalado. Do
lado de fora, as piscinas de água salgada dão um sabor especial e ajudam a
recuperar de um dia exigente.
10ago Pq
Campismo Furna-Lajido-madalena-Horta (Faial)- Casa abandonada (antes da subida
para Caldeira) – 23+ 7km (faial)
Do
porto das Velas não havia ligações para os próximos dois dias para onde
necessitava ir. É necessário voltar ao porto da Madalena para ter aceso à
cidade da Horta no Faial. A frequência diária de barcos que sai deste porto é
variada.
Adorei
o percurso junto ao mar. Não se esgota a beleza em qualquer pedaço desta ilha.
O negro da rocha vulcânica acentua-se em cada pedra amontoada sob os muros dos
currais ou na que é utilizada para a construção das típicas habitações. Destoa
o vermelho vivo das portas e janelas ou curiosamente a cor laranja utilizada na
pintura de vãos das casas da terra de Lajido. Conheço e sei que este vinho é
muito exportado, talvez seja esta a razão da cor diferente. Foram 23kms e pouco
mais de 1h de passeio panorâmico. Compro bilhete para mim e para a bicicleta
para o Faial e é a primeira vez que a bicicleta paga um valor superior. Fazer
esta travessia inter-ilhas utilizando a bicicleta, não se torna tão acessível
economicamente como se possa pensar.
É a
viagem mais rápida de barco entre 2 ilhas. O têm em comum é que para sairmos
dos portos de desembarque, o caminho é quase sempre a subir. No miradouro de N.
Senhora da Conceição dá para encher a vista em 2 direções opostas. Estou para
“lá de longe” da Caldeira, mas desde cedo que projeto lançar fora a âncora que
vem em cima do porta-bagagem da bicicleta. Parece uma lapa, não desgruda.
Rota
dos Vulcões, uma placa sinaliza para onde eu já sabia que deveria ir. Vejo 2
miúdos numa scooter e troco algumas palavras em inglês:
- The volcano, is far?
- Urgh, 30 minutes in this.
- Is there any old house or snack-bar?
- No. There is nothing but it is raining in
the top.
Está
o veredicto feito. A casa que vi antes do cruzamento é mesmo o que estava a
precisar. Há água perto, a comida que transporto vai ter de chegar porque é a
mesma que teria amanhã se decidisse avançar montanha acima. A fechadura fora
arrombada por alguém, a porta estava escancarada e foi esse pormenor que me
chamou a atenção pois a casa não parecia estar abandonada. Está muito suja por
dentro simplesmente por não ser visitada há muito tempo. Recheada de mobília,
tem toalhas, talheres e também um w.c (com sabonete e toalha). Cá fora, os
vasos no topo da varanda têm plantas, mas todo o caminho de acesso à casa esta
intacto. A vegetação tomou conta do lugar. É percetível que a casa não é
utilizada. Bem, isto não é uma certeza, é um palpite. Cheguei às 14h, foi uma
decisão difícil porque ainda era cedo para parar, mas ponderados todos os
fatores, tomei uma decisão.
Faço
chá, café. Leio, escrevo e planeio toda a etapa de amanhã para ir sem peso e
passarei aqui a noite. Ou quem sabe, na prisão por estar em propriedade privada.
Sabem?!! Está a chover. Não tenho medo da chuva, mas gosto mais de chá e
bolachas (estas são digestivas, apesar de nada ter para digerir J).
11ago - Casa
abandonada (antes da subida para Caldeira junto ermida Flamengos) –
Caldeira-Capelo - vulcão Capelinhos-Areeiro-Flamengos – Horta – Madalena
(pico)- SRoque (66+23)
Durante
a noite chove com intensidade lá fora. Acordo um céu bem azul em que tudo aponta
para ter fantásticas vistas sobre a Caldeira e a área circundante. Não percorro
o trilho circular que aqui existe, mas opto por seguir as marcas da GR- Costa a
Costa.
Quando o nevoeiro permite, consigo visualizar algumas antenas de comunicações num dos extremos da Caldeira. O trilho que leva ao topo é muito exigente, mesmo para quem vai a pé. A cartografia do gps mostra uma estrada que liga a estes postes. Hesito se devo ou não avançar e carregar a bike às costas. A mais valia desta decisão é de poder continuar sempre a descer, em curvas e contracurvas constantes até à zona deserta do vulcão dos Capelinhos.
Não visito o centro de interpretação subterrâneo, preciso de ter folga para voltar ao ponto inicial onde deixei toda a carga escondida, beber um gin no Peter´s Café e estar a horas no mestre Simão para zarpar para a Madalena. Só tenho barco entre a ilha do Pico e S.Jorge amanhã bem cedo no porto de S.Roque e não posso perder esta ligação.
Quando o nevoeiro permite, consigo visualizar algumas antenas de comunicações num dos extremos da Caldeira. O trilho que leva ao topo é muito exigente, mesmo para quem vai a pé. A cartografia do gps mostra uma estrada que liga a estes postes. Hesito se devo ou não avançar e carregar a bike às costas. A mais valia desta decisão é de poder continuar sempre a descer, em curvas e contracurvas constantes até à zona deserta do vulcão dos Capelinhos.
Não visito o centro de interpretação subterrâneo, preciso de ter folga para voltar ao ponto inicial onde deixei toda a carga escondida, beber um gin no Peter´s Café e estar a horas no mestre Simão para zarpar para a Madalena. Só tenho barco entre a ilha do Pico e S.Jorge amanhã bem cedo no porto de S.Roque e não posso perder esta ligação.
Decorre
na Horta a semana do mar. A marina está repleta de barcos, muitos turistas
preparados para mergulhar enquanto outros aguardam vez para a observação das
baleias. Estou ao lado do Peter´s mas opto por fazer toda a marginal até à
entrada do porto para comprar os bilhetes. Volto para um gin tónico e aprecio o
momento antes de lançar-me em nova piscina até ver o mestre Simão ancorado.
A
Madalena já me é familiar. A estrada que me leva para S.Roque já conheço bem.
Paro no Cella Bar - um conceito de wine-bar com uma arquitetura premiada - absorvo toda a envolvência e deixo-me estar
bem perto das rochas nuas e negras banhadas pela água. Rolo, sem pressa para o
parque de campismo municipal da furna onde posso finalmente descontrair no
conforto possível da minha tenda.
Estou
na esplanada junto às piscinas naturais a beber cerveja e tento comer algo. No
restaurante já não há febras, pego na bicicleta com o saco das compras ainda
pendurado no guiador e vou até ao átrio da igreja alguns metros mais abaixo. Ligo
o fogão e asso uns hambúrgueres com pimento vermelho. Passa das 22h, já não
faço check-in no parque de campismo
12ago
parque campismo da furna – Velas (S.Jorge) – Aeroporto- Ponta Delgada (YH) 5
Antes
do nascer do sol já os pássaros estão num festim. Os sons ecoam neste espaço
densamente arborizado e recortado à beira mar. Este apelo da natureza
despega-me do sono e é sem dúvida o melhor som de despertador que alguém pode
ter. Não podia mesmo perder o ferry das 08h30. Isso teria como consequência
perder o avião e a ligação para P-Delgada, não existem outras alternativas. Sei
que posso confiar na bicharada, a eles não falta a energia para darem bem cedo
o alerta.
Caramba!!!
Faltam-me as forças nas pernas ou, isto é, mesmo a subir? Até chegar à estrada
da costa, em alguns instantes, tive mesmo que empurrar a bicicleta. Não
acredito que o peso a mais seja das carcaças ou do Bonito dos Açores para
juntar daqui a nada à salada de tomates. Faço intenção de chegar cedo ao
aeródromo que não é nada longe do porto das Velas.
A
descer, finalmente. Embalo a 60km/h enquanto me aproximo de 3 carros em marcha
mais lenta que a minha. Na frente, o jipe marca o ritmo. Com a força do embalo
ultrapasso os 2 primeiros e com umas boas pedaladas, coloco-me lado a lado com o
jipe, olho para o velhote (que deve ter pensado, e acertado que eu era maluco)
e sigo para a aerogare. A botija de gaz está quase gasta, mas vai continuar a
prestar o seu serviço para aquecer a água para o chá que vai acompanhar as
saborosas bolachas mulatas que carrego na mochila.
13ago
P.Delgada-Arrifes-lagoas empapadas-lagoa Rasa-7cidades-Cumeeira Vista do
Rei-Arrifes- P.Delgada – 63kms
Céu
azul sem nuvens. O sol mostra o seu vigor e se estas condições se mantiverem,
vai ser um dia espetacular para rolar, tirar fotografias e desfrutar de São
Miguel.
Mesmo
sabendo que no écran do gps disponho, em cores diferentes, de vários tracks de
provas de anos anteriores. À medida que avanço vou seguindo a linha que me leva
para o melhor enquadramento. É bom ter estas opções em aberto, vou sempre mais
atento ao que me rodeia do que propriamente ao aparelho eletrónico. Encontrei –
e não é nem será a última vez - caminhos
sem saída que me forçam a voltar para trás. Caminhos cerrados de vegetação,
regos profundos, pastagens novas, etc. É provavelmente por isso que todos os
anos surgem alterações ao Azores Challenge.
Os túneis de vegetação são uma constante, são muitas as folhas cortadas que cobrem o caminho. Até agora não tem havido surpresa com a orografia do terreno. Tem sido gradual a aproximação ao ícone desta ilha, a lagoa das sete cidades.
Antes de chegar à mata do canário e ver a lagoa que me envolve, consegui percorrer um circuito composto pelas lagoas empapadas cuja beleza não me deixa indiferente. Todo o verde tem um brilho novo. As árvores de grande porte são às centenas e compõem este paraíso na terra. Que bom vai ser editar os vídeos e poder uma vez mais assistir às velocidades estonteantes que a bicicleta atinge mesmo quando pela frente temos curvas e contracurvas, ou mesmo, muitos carros que devido à inclinação da estrada, andam devagar. Vou a filmar ultrapassando carro a carro, até que, numa carrinha de caixa aberta vão mais de meia dúzia de mulheres sentadas voltadas umas para as outras. O aparelho que está em cima do capacete (ainda mais com uma luz vermelha acesa), causou alguma agitação e burburinho. Em curva, sem espaço para ultrapassar, tive de travar para poder abrandar. Num instante, gritei e disse “estou a gastar muita pastilha “Até já… Disparei sem conseguir ver a reação das mulheres. Alguns minutos depois aproveitei para estar ao lado daquela água que tem uma cor verde, mesmo vista de perto. A carrinha passa e as mulheres, alegres, começam a bater palmas. Tiveram um dia diferente, quem sabe uma história para contar lá em casa. Que andava pelos Açores um ciclista endiabrado com asas nas pernas.
Os túneis de vegetação são uma constante, são muitas as folhas cortadas que cobrem o caminho. Até agora não tem havido surpresa com a orografia do terreno. Tem sido gradual a aproximação ao ícone desta ilha, a lagoa das sete cidades.
Antes de chegar à mata do canário e ver a lagoa que me envolve, consegui percorrer um circuito composto pelas lagoas empapadas cuja beleza não me deixa indiferente. Todo o verde tem um brilho novo. As árvores de grande porte são às centenas e compõem este paraíso na terra. Que bom vai ser editar os vídeos e poder uma vez mais assistir às velocidades estonteantes que a bicicleta atinge mesmo quando pela frente temos curvas e contracurvas, ou mesmo, muitos carros que devido à inclinação da estrada, andam devagar. Vou a filmar ultrapassando carro a carro, até que, numa carrinha de caixa aberta vão mais de meia dúzia de mulheres sentadas voltadas umas para as outras. O aparelho que está em cima do capacete (ainda mais com uma luz vermelha acesa), causou alguma agitação e burburinho. Em curva, sem espaço para ultrapassar, tive de travar para poder abrandar. Num instante, gritei e disse “estou a gastar muita pastilha “Até já… Disparei sem conseguir ver a reação das mulheres. Alguns minutos depois aproveitei para estar ao lado daquela água que tem uma cor verde, mesmo vista de perto. A carrinha passa e as mulheres, alegres, começam a bater palmas. Tiveram um dia diferente, quem sabe uma história para contar lá em casa. Que andava pelos Açores um ciclista endiabrado com asas nas pernas.
É um
postal perfeito este o das sete cidades. Não há filtros aqui. As cores saltam à
vista. As ruas estão engalanadas, estão muitas pessoas na rua, os locais
colocam flores nas molduras para colorirem e alegrarem o momento em que a
procissão passar. Demoro o tempo de um gelado imensamente cremoso que tive o
prazer de provar. Faço questão de o demostrar ao rapaz da roulotte:
- Em
Lisboa aparecem gelados de máquina deste género, mas quase todos sabem a gelo.
- É feito com leite gordo, senhor. Pode virar
que não cai - diz-me o açoriano.
Prados
verdes cheios de vacas felizes só podem dar um leite de qualidade, pensei.
Tenho em grande consideração os lacticínios desta terra, especialmente os
queijos frescos que muitas vezes são enrolados numa folha de uma planta que não
sei o nome. Carrego no pedal montanha acima e sigo para a linha de cumeeira que
proporciona vistas deslumbrantes de qualquer poiso. É o trilho da vista do rei,
algo único que efetivamente nos dá uma vista digna do nome que a representa. Pode
parecer exagero o que vou escrever, mas daqui em diante é sempre a descer até
P.Delgada.
Epílogo
Em cada um destes pedaços de terra não há
sitio onde não se consiga ir em poucos minutos. A vida concentra-se m pequenos
espaços, por quer que vá, não estou longe de nada. Aldeias, lagos, furnas,
fajãs. Tudo num espaço só.
2 comentários:
Grande aventura! Os Açores são fantásticos. Parabéns e obrigado pelo relato.
Boas pedaladas
daraopedal
Sim, concordo contigo. Os Açores estão ao nível dos melhores locais para se conhecer.
Obrigado pela tua visita
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