26 março 2020

Montanhas Vazias Bikepacking 19


A pedalar sobre um dos mais limpos céus de Espanha



Dia 0  – 22Ago19 Oriente-Valência

A entrada no autocarro fazia-se de forma muito lenta. Enquanto me despedia da Filipa, fui ficando para trás. Afinal não havia lugares marcados e acabei por ficar com o único assento disponível no fundo do autocarro. Na última fila já estava um casal de jovens e o pai do rapaz (ela forma como o idoso era tratado, faltava-lhe educação)

Uma forte discussão surge a um metro de mim. Começam os insultos, as chapadas e agressões entre o casal. De olhos semicerrados e ainda meio adormecido, deixo que se entendam durante um bocado. Voltam os insultos e há uma escalada da violência. Intrometo-me e sugiro que o rapaz brasileiro ocupe outro lugar para evitar o conflito.
Sou eu agora o alvo da sua ira. Acuso-o de violência doméstica e de que cheira mal da boca quando resolve erguer-se apoiado nas costas do banco à minha frente. Continuo a ser bombardeado de insultos. Parte do soldado que existe em mim exalta-se e prepara-se para o combate iminente, por outro lado, a educação, os anos que têm vindo a amadurecer-me e a realidade em que vivi, ecoam mais forte em mim. É a dignidade que tenho de manter a todo o custo




Dia 1 –23Ago19 Teruel-Refúgio Florestal (El monólito) 92 kms 1860mt

Os primeiros raios de sol não conseguiam cobrir todos os penhascos e falésias que ia avistando enquanto apreciava os contrastes de sombra/luz que a esta hora têm um charme especial. Pelo itinerário, várias placas informam dos vestígios da guerra de Teruel durante a guerra civil espanhola. Os caminhos de terra à saída de Teruel são exequíveis e não requerem grande perícia a rolar sobre eles. O sol continuava pelas costas enquanto não chego ao parque de paisagem protegida de “Pinares de Rodeno”. São bosques de pinheiros da perder de vista. O risco de incêndio é uma realidade. O governo de Aragão proíbe qualquer tipo de acampamentos nesta região e alerta constantemente com placas sinalizadoras para evitar uma catástrofe.

Para trás ficam as lagunas de Rubiales e laguna de Bezas. A dimensão das mesmas não impressiona, no entanto, este charco de água é fulcral para todas as espécies de animais que aqui habitam. Para nós humanos, não dá para abastecer de água.
Mantenho-me fresco dentro desta vegetação verdejante, por vezes relembro os registos de quem já fez esta rota de bikepacking e falam nas temperaturas elevadíssimas durante o mês de agosto.
A poucos quilómetros de Albarracin não páro para ver as pinturas rupestres abasteço no primeiro supermercado que surge. Sigo para o centro histórico de um dos “pueblos mais bonitos de Espanha”. O corrupio de pessoas a cirandar de grupos de turistas que chegam e enchem o pouco espaço disponível na praça central. As cadeiras na rua não têm fregueses apesar de ser hora de picar qualquer coisa.


O calor é abrasador, entro numa tasca para beber um café e encontro casa cheia. Tapas, bocadihos, fritos e fritos passam sistematicamente diante de mim.
O meu caminho é para o topo, para junto das muralhas para onde até andar a pé custa. As paragens para as fotos são apenas um pretexto para normalizar a respiração. Quando acabar de subir sei terei muitas fotos de Albarracin. Cada uma mais acima que outra.
Os caminhos florestais têm recebido muita manutenção, a inclinação por vezes excessiva impede que consiga tração na roda traseira e também que consiga segurar as batidas do coração.

Os cenários não desiludem. Chamam a este percurso Montañas Vacias provavelmente por não existirem vestígios da mão do homem.
Precisei de uma eternidade pra chegar a Vilar del Corbo e mais ainda para a nascente do Tejo. Ambicionava chegar a este simbólico lugar para abastecer de água. Há mais de 10kms que vinha com a garganta seca.

Hidratado, carrego mais 3lt na surly ogre e pedalo até ao refúgio florestal “El Monolito” que se espreita da estrada nacional. Esta era a minha primeira opção apesar de ter como referência que os refúgios que estão em zonas mais movimentadas, são aqueles que estão em pior estado.
A outra opção era aguentar mais 30kms duros para dormir no refúgio checa. Uma pesquisa aquando do planeamento deu-me conta que era preciso partilhar o local com morcegos.
Num cruzamento, em frente a um monólito observo uma casa em excelente estado de conservação (o meu receio era estar fechado). Abri a porta e fiquei boquiaberto. Na primeira divisão, uma grande mesa de pedra e 2bancos corridos tomam o centro.

A lareira também lá está. Tem um quarto forrado com um estrado de madeira e 2 colchões de casal para que não exista motivo de reclamação. Não tenho net nem rede de telefone. Ás vezes é mesmo preciso desligar.



 Dia 2 –24Ago19 Refúgio Florestal - Refúgio Vado Salmeron 105kms 



Pelas janelas do refúgio vejo que ainda é noite escura quando toca o despertador às 06h00. Deixo-me ficar sobre o colchão até o dia clarear. As temperaturas dentro destas 4 paredes consegue ser mais baixa que a que encontrei ontem ao final do dia. Em pleno mês de agosto acendi a fogueira.
Não sopra uma brisa quando saio. Rolo sobre os vestígios de uma estrada de alcatrão. As placas indicam tratar-se de uma rota de transumância. As orelhas e a ponta dos dedos vão enregelados, mal consigo ligar a gopro. A luz do sol penetra timidamente na massa de árvores que enche toda a área de Castilha-La Mancha.

O rio Tejo corre seco durante largos quilómetros. Por desfiladeiros entro no Parque Natural do Tejo. Os caminhos, cobertos de tout-venant permitem manter uma velocidade acima da média de ontem.
As pequenas oscilações da paisagem percorrem-se com pouco esforço, tirando o sol inclemente que aos poucos vai carregando sobre mim
Cada vez que surge uma fonte não a posso desperdiçar. É preferível algum peso a mais na bicicleta e estar seguro porque nestas coisas, o corpo está sempre em deficit.

Estou a chegar a Checa e continuo sem rede telemóvel desde a zona da nascente do Tejo. A aldeia é pequena e as festas são por estes dias o que quer dizer que muita coisa está fechada de acordo com um habitante local.
O sino da Igreja dava as 12 badaladas e no meu estômago já a aveia tinha sumido fazia muito tempo. Sem grande alento, sigo para Peralejos de Las Truchas . Nesta povoação sei que serei abastecido, o único problema é estar para lá de 15kms de distância.
Nova fonte, mais água. Os habitantes, todos muito bem vestidos vão na direção da igreja. Meia dúzia de metros mais abaixo está a “tenda do pecado”. Só homens, encostados ao balcão afastam o mal e matam a sede: Junto-me à festa, preciso combustível extra para ultrapassar os próximos quilómetros.
A descida após Chequilha anima-me. Augura uma chegada rápida e indolor até à minha próxima refeição. Puro engano. O que via à minha frente não eram subidas, eram rampas.
Pelo adiantar da hora, i pior que podia acontecer era chegar à aldeia e tudo estar fechado até à hora da siesta.
-Animo, gritam de um carro que vinha em sentido contrário.
À entrada de Peralejos, à direita está a tenda de alimentação. As mesas na rua estão cheias de latas de cerveja vazias, numa delas persistem 4 pessoas numa animada cavaqueira.
Da porta da loja sai um apaixonado do heavy metal (a julgar pela camisola e visual) e recolhe algumas coisas. Isto é um sinal para que num muito curto espaço de temo a loja vai fechar e ainda nem tinha chegado aos limites da propriedade. Consegui comer e abastecer para o jantar de hoje

O percurso continua a ser coincidente com a GR-10 e Gr-113. O Tejo não me foge de vista, lá em baixo, as suas águas verdes correm animadas. São vários os carros que estão a regressar dos locais idílicos e selvagens que aos poucos tenho o privilégio de conhecer.
Cruzo uma ponte suspensa para junto da outra margem do Tejo me juntar às dezenas de banhistas que se refrescam.

Ao banhar-me estou a aproveitar para tomar um banho e revitalizar os músculos, preparando-os para o sendeiro que dista poucos metros de onde estou.
É num ápice que chego ao novo estradão após as Casas do Salto. Giro sob a sombra dos pinheiros que me circundam. Há medida que avanço, mais locais únicos voltam a surgir. A prova disso são os carros que se encostam dispersos ao longo do itinerário por vários quilómetros.
Conto muitas fontes até ao refúgio Vado Salmeron mas quando inspeciono toda a área de lazer envolvente, verifico que não existem pontos de água.

Olho o painel informativo e verifico a localização de água mais próxima. Vindos da direção oposta, 2 ciclistas juntam-se a mim naquele momento. Vêm em busca do mesmo que eu.
Dialogamos e percebo que tenho de voltar atrás pois segundo eles, nada tenho adiante.
Deixo-os partir enquanto descarrego o meu material no refúgio. 
Não entendo a decisão desta dupla em ir acampar tendo este espaço melhores condições (já passa das 19h)
Afinal tenho de pedalar mais do que imaginava. Aquilo que em tempos foi  um local de recreação com restaurante e outras áreas de lazer, está agora vetado ao abandono. Uma tabuleta aponta para a Fuente La Parra. Avanço confiante até ver uma torneira mas a água não corre. Carrego no botão e nada. Está seca. Fico incrédulo. Começo a cirandar, aguço o ouvido e tento abstrair-me do barulho da água do Tejo. Oiço água a cair algures. Busco e encontrei o precioso líquido que me permitirá seguir amanhã com mais confiança.
Mais uma viagem. Em apenas 5kms estou de volta ao conforto de um espaço onde alguém teve a amabilidade de deixar algumas maçãs.

Numa das mesas da zona envolvente deste espaço está um casal a picnicar. Eu estou mais abaixo a tomar banho. O casal dirige-se para o carro e grita se preciso de água?

Enrolo uma toalha e digo que já fui buscar
-Se tiverem algo que comer, agradecia.
A toalha, mais fina que uma folha de papel, permite-me estar na conversa com o jovem casal enquanto. No final abrem o grande saco de asas e deixam-me ficar com pão e bananas
Janto na rua, o refúgio é muito escuro. Perdido de sono, não descanso enquanto não deixo no papel alguns dos momentos que hoje vivi. Tem sido assim há muitos anos (por vezes bem mais cansativo) e agora não ia se diferente.



Dia 3 – 25Ago19 Refúgio Vado Salmeron – Refúgio Halconera 99kms 1552mt

Acordo a meio da noite com um barulho de motor. Um carro a trabalhar estacionou junto ao refúgio e segundos depois a pedra que segura a porta e arrastada para dentro. Sem parar de falar, o espanhol repara na bicicleta estacionada na parede que tem desenhado um género de ninfa do Tejo, e diz que está ocupado
O carro retorna a sua marcha
Já com o café tomado, faço-me ao caminho para perceber que 6kms depois , no refúgio de La Falaguera, um carro está parado e o refúgio está ocupado. (de certeza que eram os espanhóis de ontem)
Em Zaroejas, o hotel é o único espaço comercial disponível para ter wi-fi e dar o alerta para Portugal que tudo está a correr bem. É normal estar mais de um dia sem rede de telemóvel Os caminhos florestais estendem-se por longas rectas que rapidamente são vencidas

De Valsalobre a Beteta é um instante e é nesta cidade que preciso abastecer de víveres. Consta que a partir deste momento entro numa zona de serra mais isolada e inóspita.

É domingo e as poucas aldeias que têm um bar ou restaurante estão cheios. Avanço sem olhar para trás enquanto vou subindo vou refrescando a roupa e a cabeça nas fontes. Procuro manter-me sempre com os bidons cheios. Quanto a encher a garrafa de 1lt de reserva para as emergências, tem sido uma gestão km a km

É em Santa Maria del Val que decido encher tudo novamente. Faltam 30kms, se forem a subir, serão uma âncora.
No refúgio de Halconera sei apenas que existe um poço. O por cenário efetivou-se. Nada de H2O pela frente e que se tornou um calvário pela ascensão que tive percorrer até ao topo da serra de Cuenca

Após isso, foi aproveitar a força da gravidade para chegar aos 1470mts onde avistei as paredes do meu repouso hoje.


Dia 4 – 26Ago19 Refúgio Halconera- Hotel Casa Emilio 96kms 883mt

Quando pego na bicicleta reparo imediatamente que o pneu traseiro tem um firo lento. As imediações desta casa estão minadas de cardos secos.
Não obstante da preocupação que tive ontem ao chegar, não consegui evitar esta situação. Foi sempre a descer, praticamente não precisei de dar aos pedais até chegar a uma estrada de alcatrão 10km depois. Parei apenas para trocar a água (água fervida, só mesmo em chá), numa fonte muito frequentada pelas vacas da região

A poucos metros do desvio para Beamud vejo uma tabuleta a indicar albergue com café e logo a seguir um grupo de betetistas. Digo que vou para Torrebaja, todos me indicam para retornar à estrada e seguir caminho.
O céu está nublado e não está calor hoje. Apetece mesmo algo “caliente”. À entrada da vila, 3 idosos s dizem-me que o bar a esta hora deve estar fechado (são 10h). Ao ritmo deles, sou escoltado, para confirmarem o que havido dito minutos antes
Apanho novo caminho rural até Valdemoro Sierra onde certamente não faltará estabelecimentos para comer um tomar algo.
Nesta pacata aldeia, logo ao virar da esquina vejo um bar com esplanada. Entro, e a minha tendência é logo procurar uma tomada para dar chuca ao telemóvel. Na verdade não precisava disto pois tenho bateria de reserva e também um powerbank, mas tenho como principio só usar as reservas em caso de extrema necessidade.
Bebo um café com leite e deixo o telemóvel a carregar. Deambulo a pé pelas poucas ruas existentes e entro na padaria onde meto conversa. Circulo mais um pouco e vou ao supermercado abastecer para almoçar num qualquer lugar de La Mancha.
Sim, podia ir a um chiringuito (bar ao ar-livre), no entanto, jamais algo me saberia a tão autêntico como este hábito que tenho. O telemóvel continua no bar (espero eu), depois de acabar a minha cerveja e bocadilho , voltarei ao bar para beber um café.
Chove, mais um pretexto para esperar um pouco mais dentro do espaço quentinho. É no tempo de comer umas bolachas caseiras que tenho uma aberta na meteorologia e meto os pneus no alcatrão molhado.
Ribanceira acima, ultrapasso um ciclista numa bike elétrica. Com a carga que levava, penso que precisava de um motor auxiliar porque nunca mais o vi

O topónimo Torrebaja assenta que nem uma luva a esta terra. Fica num buraco, para aqui chegar foi uma interminável descida levando a bicicleta a atingir “quase a velocidade da luz”.

Dia 5 – 27Ago19  Torrebaja- Ventorrilo (77kms 1720mt)


A noite foi de fiesta na terra mas também foi de tormenta devido às fortes chuvadas.

À hora do  despertador, olho o céu que se apresenta totalmente azul. Conformo as previsões no site da meteorologia
Arranco rua abaixo para rolar junto dos campos semeados e das árvores de fruto. A água do rio corre veloz vale abaixo.

Deram o nome de Vera cruz a este troço que entronca numa estrada alcatroada. Sigo uma opção das MV (montanhas vazias), que me leva para zonas com mais tração e provavelmente mais atrativas. Riodeva é um exemplo disso. É um dos lugares da Europa mais ricas em fósseis de dinossauros. È esta aldeia que me alimento e preparo a trouxa para voltar a suar ladeira acima.

Em Los Amanaderos vejo as várias cascatas que o rio Deva provoca na paisagem abrupta que me rodeia. Começo a ver pela primeira grupos de pessoas que  vêm a pé caminho abaixo. Percebo que deixaram o carro numa área de lazer e aventuram-se nas imediações. É muito comum encontrar estas áreas de lazer espalhadas pela região de Castilha-La-Mancha. Têm assadores, muitas fontes e mesas de pedra para que as famílias possam usufruir desta lufada verde
Mais acima, num enquadramento perfeito entre o engenho do homem e a natureza, a fuente del miel brota a água que irei necessitar para vencer a montanha.

È inicio da tarde. O refúgio Collado del Buey dista apenas 2km mas o meu dilema de ficar/avançar persiste.

Carrego tudo e lá vai a bicicleta 3kg mais pesada e mais lenta trilho acima. Toda a área que antecede o refúgio cativa e convida a ficar. Quanto mais próximo estou da construção mais percebo que a finalidade é mesmo usar como único recurso. É básico, está limpo mas assemelha-se mais a um telheiro. Em dias de chuva e frio a esta altitude, não tenho dúvidas que salva vidas, no entanto,  a minha vontade era de relaxar.
O céu vai mudando de tonalidade. Cada vez mais escuro e com vários trovões a ecoarem, é iminente que virá uma trovoada de final de tarde. Dou tudo o que tenho para dar. As pedras do caminho são muitas e estão soltas. As subidas continuam  a aumentar em dificuldade e o nome “matahombres” vai surgindo numa placa de tempos a tempos.

A 6kms do pico de Javalambre, começa uma chuvada de montanha. 2h depois, deixo as gigantescas antenas e preparo-me para começar a descer pelas pistas de ski. Olho para o computador de viagem e faltam 22km para o  destino final. Aquela velocidade sei que irei precisar de pelo menos 1h       passada a tilintar de frio. Não estou a seguir nenhum caminho rural ou florestal e por essa razão tenho que travar imenso para não perder o controlo de bicicleta que salta cada vez que embala.
Chateia-me que surjam subidas. Mas afinal não vou para uma cota inferior?
A chuva está mesmo intensa, a sensação de frio cortante não se afasta de mim.
A poucos quilómetros de Puebla de Valverde entro pela via verde dos Ojos Negros e para uma gasolineira para tirar toda a lama que se acumulou. Na altura de buscar alojamento, custa ouvir está lotado, especialmente quando estás cansado. Parece que é nestes dias tudo acontece.
A internet é maravilhosa e com ela surgem tantas opções de dormida consoante a carteira de cada um
- Hola, és português? – Pergunta um senhor sentado.
- E procuras alojamento?
- Sim, mas já reservei, não se preocupe
-Vais para Ventorrillo para umas casas rurais?
Nesta altura, percebo que o homem sabe demais e digo-lhe. Como é que sabe?
- Eu sou o Manolo. Sou o dono
Dia 6 – 28Ago19  Ventorrilo – Barracas (casa rural Juanjo) 100kms irrelevante acumulado

A casa do Sr Manolo está muito perto da via verde. Neste momento, às 0800 da manhã o meu objectivo é chegar a Teruel, pegar na bolsa da bicicleta e voltar a este ponto inicial. Deixo guardado tudo o que pode pesar e não interessa para executar esta necessária tarefa.
Quando começo a perceber que vou a descer e na maioria das vezes a mais velocidade que os ciclistas que vêm em sentido oposto, questiono-me. Tinha lido que a maioria da ecopista seria a descer para Valência. Algo não faz sentido. Se eu estou à cota de 1200mts e tenho de chegar ao nível do mar, descer é algo natural.

Ao balcão do albergue de Teruel, bebo um café com o Rúben e agradeço-lhe a amabilidade de guardar o saco durante os dias da minha viagem. As personagens da equipa de filmagem (que enchem o albergue por dias), mexem-se pelo amplo salão do bar/albergue.
Saio de Teruel novamente pela Via Verde e sujeito-me às subidas que tem para me oferecer. As paisagens majestosas vão sendo percorridas pela força dos músculos. Há muito que esta antiga linha foi extinta. Muitas vezes paralela, surge a nova linha que está fechada até outubro para beneficiação de linhas.
Hoje opto pelo menu del dia no restaurante (a refeição de ontem não foi generosa em proteína) e talvez por isso tenha passado toda a manhã a comer
Estou a acabar o tiramisu quando o Sr Manolo se aproxima da área de refeições. “hablamos” mais uma vez e coma sua ajuda sei que fzendo um desvio de 30kms posso ir ver uma paragem técnica das equipas da Vuelta a Arcos de Salina
As tabuletas vão marcando os quilómetros enquanto continuo sem saber se irei ou não ver os atletas.

A bike está super lotada com muita carga empilhada e a decisão tem de ser bem ponderada. Surgem amiúde alguns túneis (quando são mais longos têm luz  para facilitarem serem percorridos.). Também surgem pontes de várias arcos e é ao entrar na zona de Albentosa que verifico metros acima muita gente junto à estrada. 
A Vuelta está quase a passar e naquele momento sinto que esta é a minha oportunidade de vibrar com o pelotão de ciclistas. Valeu cada minuto de espera. Aprendi que estive junto de uma zona conhecida como Las Cuestas de La Romana. A centenas de metros é possível acompanhar o andamento do grupo antes de percorrerem aquelas curvas encosta acima
Os miúdos estavam radiantes. Não param de perguntar onde estavam os meus amigos e porque usava tantas garrafas de água.

Até ali e depois de sair de Albentosa não fazia ideia de onde iria dormir. IA olhado ara tentar encontrar alguma habitação velha onde pudesse repousar desde que tivesse água comigo
Há muitos “pueblos” que estão lotados com a caravana de quem vem assistir a esta festa.
Falar que as povoações neste troço têm influências árabes
Avanço até Barracas, uma povoação pequena. Tenho numa casa rural toda equipada só para mim por apenas 20€. Não hesito, deixo-me estar. O Juanjo é o dono do supermercado e alojamento Todo o prédio e tem razão em dizer-me para entrar porque me faria um preço especial

Dia 7 – 29Ago19  Barracas - Valência (pensão Universal) 115km

Via Verde OJOS NEGROS


Último dia  desta epopeia. Houve momentos na via verde em que não precisei pedalar para ir a mais de 20km/h. Como o percurso pode parecer monótono por não apresentar dificuldades, se olharmos o cenário, viajamos em paz com o barulho das cigarras que cantam.

O cuidado e a segurança do ciclista não foram descurados. Pode-se ver em algumas curvas placas a anunciar gravilha solta, as depressões no terreno, e ainda, os túneis maiores, se a luz não está acesa, um sensor faz esse trabalho.

Acerco-me de Puçol de um verdadeira auto-estrada para ciclistas e peões. Ambas as faixas têm uma largura considerável com cores bem garridas e definidas no solo
Porta de Serrans divide a zona velha com o troço verde

115km depois cheguei à civilização. Atravesso Valência até passar o rio e chegar ao seu centro histórico. Fiquei encantado, que tenho tirado espaço às ruas para passearem no seu cento histórico. Não precisava de postes ou marcos de pedra não vi um único carro a obstruir a via por onde circulam bicicletas e trotinetes eléctricas
Do pouco que vi da arquitetura desta cidade até chegar à pensão Universal, enche-me as medidas

O Clássico, o novo mistura-se com o antigo. Estou na Plaza do Ayuntamiento, o local que a Mónica (recepcionista) me deu como ponto de referência do alojamento. De boca em boca chego à Calle de Las Barcas e ainda assim não é fácil encontrar a pensão. Uma pequena placa sobre a porta de um edifício denuncia o local
Este prédio bem antigo é partilhado por tantos serviços que preciso subir ao 2 andar para fazer o check in. No hall de entrada surge logo um letreiro que avisa para a proibição de bicicletas nas escadas.
- Levas a bike para o quarto, diz a Mónica. Tens é que subir mais 2 andares com ela
Por aqui fico, satisfeito por ter um quarto sem beliches e apenas 4 camas. Fico com o dia inteiro para visitar Valência, estou alojado no centro da cidade a um preço ridiculamente baixo
Amanhã, dia 3Ago, vou novamente sentado 12h mas n preciso pedalar. O Flix bus move-se
Perto de Gilet deixa de haver marcações da antiga linha férrea. Vê-se ao longe o Castelo de Sagunto e é por caminhos agrícolas se circula até ao Port de Sagunt
Não sei se por distração ou por não existir alternativa, antes de Puçol, hesitei, acabei por avançar e, direção a uma autopista. Encosto numa área de serviço e o gasolineiro diz n ser suposto andar bicicletas por ali, mas que é normal ver a rapaziada a dividir a estrada com os carros
Epílogo

As pessoas são tão porcas que temos a obrigação de lhes conhecer o nome, de chamarmos pelo seu nome e fazermos deles alguém que agora nos é próximo
A globalização, a tecnologia e o mundo avança mas vamos perdendo estes laços de intimidade que traçam e marcam um território. São estas pessoas que dão sentido e são pessoas como estas que resistem em locais isolados como esta região. Que nos recebem bem, que têm prazer em qua saíamos daqui felizes para contarmos aos outros que aqui, a vida pode parecer que anda devagar, mas é ao seu ritmo e tem sem dúvida a sua beleza
São pessoas como o Manolo, o Rúben, o Juanjo, a Mónica e tantos outros a quem não perguntei o nome que dão corpo e estrutura a esta viagem e às montanas vazias.