Pedalar mais de 2000km pelas inóspitas regiões da Patagónia e Terra do Fogo foi um dos desafios que preparámos para Novembro e Dezembro de 2011. Fizemo-lo em autonomia, de forma sustentável e ecológica com o auxílio da bicicleta e do GPS.
O outro desafio era conseguir mudanças positivas através do envolvimento que a bicicleta promove junto das pessoas e do mundo, dando um sentido solidário a esta viagem. Associámos a nossa expedição à Operação Nariz Vermelho e angariámos 1€ por cada quilómetro, através do financiamento colectivo que a plataforma on-line Crowdfunding proporciona.
O itinerário para esta distância foi planeado para um mês e redigido a lápis. Sabíamos que não passava de um rascunho. Por necessidade e sempre com muito esforço, aumentámos a quilometragem diária para vencermos o isolamento e procurarmos conforto e comida.
A letra da música diz que “tem mil anos uma história”. Nesta expedição, cada quilómetro dá uma história em que o tempo não voa, parou.
Estes são os apontamentos de uma viagem de ida… Por uma causa solidária
14Nov-D1 - Um aeroporto e nada mais - Em Balmaceda no Chile estamos às portas do desconhecido e sentimos que temos toda a eternidade à nossa frente.
O vento soprava na nossa direcção, independentemente da inclinação da estrada, a dificuldade a progredir era imensa. O cansaço acumulado 2 dias em aeroportos foi quanto bastou para que a nossa energia só chegasse para pedalar.
O churrasco patagónico no “hangar” de Balmaceda foi a única refeição digna desse nome a que tivémos direito antes de nos metermos a caminho. Nesta altura já passava das 15h00 e a previsão para esse dia era percorrer 60kms num território completamente desconhecido.
15Nov-D2 - Uma canção para nós – De Cerro Castillo a Puerto Tranquilo
O ambiente familiar reina na casa da Sra Yolanda com vista privilegiada para o grande cume gelado de Cerro Castillo que empresta o nome a este tipico povoado patagónico de 400 habitantes. Sobre - a única - rua perfilam casas de madeira e chapa de zinco que nos remetem para uma recordação muito distante dos nossos dias.
Na manhã da partida, uma surpresa. A dona da casa liga para a rádio e pede um disco em homenagem aos 2 portugueses que lhe haviam mostrado no globo onde ficava o seu país. Em directo recebíamos votos de muito sucesso na nossa viagem na telefonia “cantava” a Cerro Castillo volverei.
Nem 100 metros andámos e já estávamos no todo o terreno novamente. A carretera astral é verdadeiramente impressionante pelos locais que atravessa e por aquilo que permite ver: bosques sempre verdes, fiordes patagónicos, imponentes rios com paisagem praticamente inalterada desde a sua origem. A única contrapartida é a base de construção desta estrada, rípio. Esta era uma palavra para a qual já tínhamos encontrado uma resposta na Internet. Para nós, será sempre quantidades bíblicas de seixos rolantes, terra e cascalho
Foi um dia de fortes pendentes onde se obtinham magnificas vistas sobre o vale do rio Ibañez e os cumes que o rodeiam. O piso fazia lembrar uma chapa ondulada até PuertoTranquilo.
16Nov-D3 - Debaixo de um calor abrasador até Cochrane - Sempre na mesma estrada, continuamos a ladear o maior lago do Chile, o lago General Carrera. Para trás ficou a laguna verde e a comunidade de Puerto Bertrand onde apreciamos mais um lago e o caudaloso rio Baker com as suas cores azul turquesa e verde esmeralda.
A estrada já não impressiona pela sua largura nem tampouco pelo seu piso, o grande aspecto a ter em conta é as fortes subidas que ainda temos pela frente e nem o facto de seguirmos pela margem de um rio nos poupa a tamanho sacrificio.
Mesmo com aquele vento que soprava, como era possível o calor que se fazia sentir? Ambos íamos sem luvas e apenas com uma fina camisola a cobrir o peito mas a vontade da Filomena era ainda a de cortar as calças, no entanto, bastava estar alguns minutos parados ou que o sol se escondesse e a resposta estava dada.
A beleza tem um preço. Vencermos a dureza e a solidão desta estrada do sul faz de nós sortudos porque a podemos apreciar.
17Nov-D4 - Um fim de tarde até ao Pacífico – O caminho leva-nos hoje por longos bosques com cascatas a verter para os lagos Esmeralda, Brown, Chacabuci e Vargas.O piso continua duro e incómodo, nos últimos 30 kms eu já não me sentava e a Filomena já não falava.
Era já muito tarde quando chegámos a Caleta Tortel na costa do Pacífico. A estrutura urbana desta povoação assenta num conjunto de passadiçoes que lhe conferem uma beleza única e típica.
18Nov-D5 - Uma noite com céu para apreciar – De Caleta Tortel a Villa O´Higigins
Nesta altura do ano, os horários são limitados para escolhermos entre os únicos 2 barcos que cruzam o Pacífico em Puerto Yungay. Aquele que nos foi possível eleger deixou-nos na outra margem às 17h, para uma autêntica maratona de quilometragem.
Era preciso manter a pedalada para que o nosso dia de sorte fosse hoje bem à noitinha ou então amanhã bem cedo. Tínhamos de chegar a Villa O´Higgins porque o único barco para atravessar para a Argentina é ao sábado e esta era uma janela de tempo à qual não podíamos ficar indiferentes.
Neste pedaço de terra imutável onde as marcas humanas estão reduzidas ao mínimo e as distâncias a vencer são enormes, fazer este dia com uma bicicleta passou de desafio a necessidade. O nosso rodado continuará a ser uma marca de sustentabilidade, nem aqui nos temos de preocupar com o preço do combustível. A pedalar chegamos sempre aonde queremos ir.
19Nov-D6 - Basta uma casa e comida caseira – Repouso em Candelário Mancilla.
Estamos à entrada do lago O´Higgins em Bahia Bahamonde e durante o nosso trajecto perdemos o privilégio de contemplar o que a noite nos ocultou. Faltava pouco para o nascer do sol e para a hora de partida. Devido ao frio, foi preciso procurar algo abandonado para repousar pouco tempo e comer algo: uma papa láctea e um polidesportivo, onde forçámos a entrada.
Era bom conseguir relatar tudo o que não está à vista, nem escrito: as dores nos joelhos e estes corpos amarrotados como papel de jornal.
A carretera austral chegou ao fim, agora só é possível continuar para sul navegando. O barco está atracado e é ele que nos levará para Candelário Mancilla.
Nesta mítica estrada sul-americana passaram-nos pelos olhos momentos de contemplação e introspecção de episódios marcantes da nossa vida. Deixamos aqui um pedaço de nós, levamos, a imensidão das paisagens mais famosas do planeta.
Na única habitação de Candelário conseguimos alojamento e refeições quentes, era altura de retemperar forças, ganhar ânimo e energia porque faltava ainda muita terra para pedalar.
20Nov-D7 - Na senda para a Argentina – O que foi preciso andar para chegar ao lago del Desierto .
Para hoje estava prevista outra travessia de barco. O lago del desierto estava a escassos 18kms do local onde começámos a nossa etapa. Embrenhados pelos bosques húmidos, entricheirados pelas montanhas, seguimos um “sendero” que une o Chile à Argentina. Durante as 5h de caminho tudo em nosso redor era verde, de tempos a tempos, uma clareira e uma luz branca incandescente brilhava no topo das montanhas. A neve que caía era projectada pelo vento e o frio era cortante. Quando tinhamos de atravessar pequenos ribeiros, parecia que nos tinham cortado os pés. Nesta extremidade era como se o sangue deixasse de circular.Mesmo assim, deu um enorme gozo fazer este single-track a pedalar (no pouco possível).
No outro lado do lago, começava a estrada argentina. Não tem a largura da carretera austral mas é construída do mesmo modo, com rípio.
Com dificuldade aproximamo-nos do Parque Nacional Los Glaciares onde tudo parece um museu natural ao ar-livre.Há aqui uma grande concentração de natureza, acessível e ao mesmo tempo selvagem.
A tapar o horizonte avista-se as silhuetas pontiagudas desta parte dos Andes, as nuvens que vagueiam na sua frente apenas deixam antever um pouco do Fitz Roy. Para confrontarmos a imagem que trazemos formatada na nossa cabeça com a real, torna-se necessário seguir para El Chaltén.
Apesar de ser pequena, esta povoação surpreende pela diversidade de produtos e serviços que oferece à comunidade de mochileiros. Por todo o lado é um mundo de aventureiros.
21Nov-D8 - A mesma estrada no mesmo horizonte– De El Chaltén à estância La Leona
O dia acordou limpo e com um sol radioso. O cenário é a preto e branco, está mesmo à nossa frente e convence. Do Cerro Torre ao Fitz Roy tudo é afiado parecendo esculpido a 2 cores, nem a neve consegue fixar-se nas suas paredes.
Deixamos tudo para trás das costas e seguimos estrada fora em direcção a El Calafate. O vento e os condores seguem connosco.
A estrada, sempre igual, interminavelmente recta requer uma grande dose de imaginação para compor esta paisagem quase lunar da estepe patagónica.Passa junto de estâncias (quintas latifundiárias) onde não se vê rigorosamente ninguém.
Aos 90kms, no primeiro cruzamento entramos na também famosa Ruta 40 ou transpatagónica ou será um longo, longo caminho para lado nenhum?!!! No horizonte a mesma sombra cinzenta em contraste com o azul do lago Viedma que continuamos a contornar.
Agora podemos contemplar o Fitz Roy durante horas. É uma vantagem contarmos com o vento para nos atrasar o movimento porque assim os cenários não desaparecem. Fica tudo em câmara lenta.
Uma placa anuncia “Estância La Leona – Parador e Hotel”, é melhor ficarmos por aqui.
22Nov-D9 - O mesmo horizonte na mesma estrada– Em direcção a El Calafate
Ainda na cama ouvíamos a força do vento lá fora. Estava muito diferente do dia anterior e não havia parte do nosso corpo que não fosse totalmente coberto, era importante manter a temperatura. Pela RA40 continuavam os tons de terra com vegetação rasteira e só muitas horas depois surge o azul do lago Argentino. Seguimo-lo de perto até El Calafate.
23Nov-D10 - Glaciar Perito Moreno (Rest day) – Património da Humanidade em estado congelado
Dizer algo sobre uma massa de gelo formada há mais de 20 mil anos e que tem 60mts de altura e 5kms de extensão é manifestamente pouco. O espectáculo é grandioso: os blocos enormes que caem e que ecoam como explosões, a cor do gelo que perde a brancura nos dias nublados para se tornar num azul irreal.
25Nov-D11 – E tudo o vento empurrou – Algures entre El Cerrito e Tapi Aike
De repente, num instante, a RA40 passou a ser uma tortura. Já não bastava pedalar inclinado, o vento era demasiado e ou nos projectava para as bermas ou nos atirava para o chão. Completamente expostos, sem abrigos, sem árvores, sem rochas, sem nada, éramos como bandeiras ao vento. Sozinhos, 2 pontos minúsculos a lutarem para avançar uns míseros quilómetros. Nesta latitude há que aceitar, é o vento que decide quando deves parar.
Numa curva do caminho encontramos um destacamento avançado da polícia.É aqui que pedimos guarida.
26Nov-D12 – Tortura na RN40 – Dest. Policia a Villa Cerro Castillo
Amanhece muito cedo nesta região, por norma, é nesta altura do dia que o vento dá tréguas a quem se fizer ao caminho. No trajecto de hoje, um dia igual ao de ontem com a paisagem a repetir-se constantemente: muita terra, muita terra, muita terra. O silêncio que se sente é puro e absolutamente encantador.
A RN40 volta a vestir-se de negro e leva-nos até muito perto da fronteira. Para não sermos despojados dos alimentos, temos que os transportar no estômago. Paramos, fazemos uma “limpeza à nossa dispensa” e almoçamos porque sabemos que não se pode transportar alimentos frescos entre ambas as fronteiras.
Tal como dizia a música do disco pedido pela Sra Yolanda, “a Cerro Castillo volverás”. Cá estamos nós, quase 1000kms mais abaixo.
27Nov-D13– A uma pedalada das Torres del Paine – Com uma intoxicação alimentar alojada em nós como um animal daninho
Pela primeira vez em toda a nossa viagem seguíamos para norte. A direcção era o Parque Nacional Torres del Paine para aí ficar junto de um dos muitos lagos existentes.
Entrámos no Parque como liliputianos. Paredes de granito lisas e verticais com quase 3000 mts dominam a paisagem, todas elas são fustigadas pelo vento.Uma intoxicação alimentar consumia-nos por dentro como um animal daninho, a determinada altura,as pernas já não respondem, a pulsação dispara e só queríamos chegar ao nosso destino para acabar esta tortura física. No entanto, a patagónia chilena tem muitos recursos capazes de nos parar ou congelar no tempo.
Temos acesso a momentos de rara beleza quando cruzamos estes fiordes patagónicos. Ainda cansados, absorvemos cada pormenor, cada cor, cada relevo. Não conseguiremos colocar tudo no papel, não conseguiremos lembrar-nos de todos os detalhes para mais tarde contar no nosso país. Não tem importância, somos testemunhas deste tempo. Enquanto pedalamos vamos tentar registar o que vimos, porque aqui, o mundo era assim.
28Nov-D14 – A porta do turismo para a Patagónia – Coordenadas 51º43º39º
A noite foi chuvosa (ainda bem que o camping tem telheiros para colocar a tenda).
Seguimos pela margem do rio Paine e mais uma vez temos uma colossal quilometragem para fazer.Nada se compara aquilo que vimos aqui neste canto do globo, em qualquer altura do dia, não há pedaço de terra que não surpreenda.
As coordenadas 51º 43º 39º de Puerto Natales podem ver-se em diversas fachadas e lojas desta linda vila patagónia.
29Nov-D15 – O dinheiro não compra tudo – Entre Puerto Natales e a Villa Tehuelces
A “brisa” constante que soprava do Pacífico mantêm-nos melhor acordados que uma boa caneca de café. Transidos de frio, seguíamos congelados para entrar neste dia em terra de Magalhães. Faz tempo que vemos esvoaçar ao vento a bandeira que tem este nome. Eles sentem orgulho, nós também.
Com os neurónios dormentes do frio – ainda- percebemos que ia ser um dia de puro alcatrão. Com tanta adversidade, era importante ir relembrando porquê pedalamos.
Ao longe, bem longe, um morro quebra o horizonte. Era Morro Chico, olhando o mapa e o GPS não acreditava que tudo se resumia a 2 casas e a um estaleiro de obra. Aqui é assim, estamos na Patagónia, já estamos habituados.
Abrigados, tentamos comer algo mas somos alvos de uma curiosidade imensa. Pouco converdador e cheio de solidariedade, um cozinheiro chileno convida-nos a entrar para tomar algo que nos aqueça.
Com energia extra, não havia vento não havia nada que assustasse a rapaziada. O pior parecia estar para chegar, o alojamento estava completo. Só nos lembrávamos, de que vale ter dinheiro se não há nada para comprar nem conforto para se ter?
30Nov-D16 – Nem pedras nem árvores, só vento – Para o estreito de Magalhães em Punta Arenas
A nossa vontade é da força deste vento. Só as palavras a conseguem imortalizar.
A estepe, quase infinita, ondula e nada mais conseguimos ver. Há muito que perdemos as referências e a noção dos dias, o tempo deixa de fazer sentido. Colados ao estreito de Magalhães fomos avançando, minuto a minuto até Punta Arenas.
A Patagónia não tem fim, é necessário vivê-la para a compreender. Há beleza em todos os cantos, há luz e vento em todos os sítios.
01DezNov-D17– Um dia de história e de descanso recuando no tempo – Para cruzar o estreito de Magalhães até Porvenir
Estamos numa pequena parte do porto que tem centenas de quilómetros. Temos os pés em terra firme mesmo junto à passagem dos 2 oceanos. Passando o Estreito de Magalhães começa a segunda parte da nossa aventura, agora na Isla Grande de Tierra del Fuego.
02DezNov-D18 – Uma autêntica surpresa – De Porvenir a Cameron
Está um dia perfeito na ilha encantada. Sente-se mais o sol do que o vento e isso é óptimo para a nossa moral. Neste lado do Pacífico dá para perceber que a ilha é bonita: tem muita zona verde e o relevo ligeiramente acidentado, quebra a monotonia dos largos horizontes.
A escassos quilómetros dos 100, a Filomena – motivada- diz “Ricardo, com um tempo assim, apetecia-me 150. Como não há 2 dias iguais, avançando esta distância acumulávamos mais um dia para o imprevisto, era uma boa ideia.
Oinassin, tem nome de povoação, tem realce no mapa, não aparece no GPS. È uma estância com casas abandonadas e nós a contar com algo para abastecer, comer e partir. Já acumulávamos 100 kms e ainda pensar que faltava metade impôs-nos uma disciplina que aprendemos na Patagónia. Pedalar não é só atravessar territórios, cruzar povoações, percorrer quilómetros. É muito mais do que isso, é sentir a emoção da descoberta da natureza e olhar para tudo como se fosse a primeira vez.
O mundo tecnológico, quase portátil que se vive hoje em dia, é muito diferente daquele que estamos a vivenciar. A perspectiva de como o olhamos depende muito daquilo que fazemos. Há quem afirme que o mundo é pequeno, também pensávamos assim quando olhávamos este continente no GG Earth. Agora que aqui estamos, o pedalar parece não chegar ao fim e nem sequer temos uma tecla ESC que nos tire daqui para fora.
03DezNov-D18 – Viagem de ida e volta ao centro da Tierra del Fuego – De Cameron ao Lago Blanco
A chuva impiedosa, empapa o caminho, acentua o desgaste físico e corrói tudo o que possa haver em nós. O horizonte já não é vasto, parece perder-se a um palmo.
Uma casa abandonada serve-nos de refúgio para trocar de roupa, beber algo quente e ficar por um bocado até que a chuva abrande.
Os 360º de horizonte voltaram, não possuo esta terra mas pedalar sobre ela faz-me sentir como se lhe pertencesse.
O lago blanco, famoso pela pesca da truta, está rodeado de um fabuloso ecossistema que nos pasma por ser algo único e diferente de todos os cenários vistos nesta ilha. Sabemos que junto a ele existe uma hosteria e nós procuramos conforto, comida para hoje e para reabastecer.
Só de olhar dá para perceber a exclusividade deste alojamento, agora, temos dinheiro mas não é suficiente. Dialogamos, desesperamos, equacionamos todas as variáveis que nos tragam as melhores vantagens. Havia pouco a perder.
“No pasa nada” – diz o dono. Ele ajusta o preço à nossa medida mas no desenrolar da conversação percebemos que amanhã não poderemos ir para o destino pretendido. A passagem fronteiriça da Bella Vista estava destruída pelas chuvas de Inverno, e era necessário ir por S.Sebastian. Senti naquele instante uma descarga de adrenalina que me fez parar no tempo, isto significava recuar no mínimo 2 dias, voltar quase ao início da Tierra del Fuego e seguir na direcção do Atlântico. Mais um imprevisto na sua máxima expressão que nos podia condenar o resto da viagem.
Não sei se é da latitude, da sorte ou da coincidência mas o Sr Alfonso vai para lá amanhã e temos boleia garantida.
Cada vez me encanta mais a expressão chilena que diz “ Que te vaya bien”. Vou ter saudades deste país que não é o meu.
04DezNov-D19 – O alcatrão que não desejámos – Do Lago Blanco a Rio Grande
Das muitas conversas que tivémos com este chileno que foi Alcaide durante mais de 20 anos nesta região, aquela que mais o espantou foi o preço das bicicletas (a pick-up foi bem mais barata que qualquer uma delas).
Hoje começámos a pedalar muito tarde para quem tem ainda uma grande distância para percorrer. Era bom saber que a luz do dia se prolonga até às 23h
Os autocarros com turistas acumulavam-se na fronteira, é imperativo termos prioridade, se não há, fazêmo-la nós. Vamos para Rio Grande a pedalar pela estrada alcatroada onde procuramos alojamento já no lusco-fusco. Sentimos necessidade de atenuar a pressão acumulada nestes dias de incertezas, decidimos tirar mais um dia de descanso.
06DezNov-D20 – Como uma padaria pode fazer a diferença – Entre Rio Grande e Tolhuin
Vamos no vigésimo dia a pedalar, penúltimo da nossa viagem. Escolher a RA3 tornaria o percurso mais rápido, mais curto e mais monótono.
A intenção, desde o início, sempre foi percorrer estes 2 países o mais interiormente possível.Poucos quilómetros após Rio Grande voltamos ao pó, ao desconforto, ao prazer de pedalar por bosques e lagos bem no coração da Terra do Fogo onde se pode ver tudo tão gigantesco e tão distante, tão difícil e tão apaixonante.
Em Tolhuin, na padaria “La Union”, local de encontro de ciclistas de todo o mundo, somos convidados a entrar e a ficar.
07DezNov-D21 – Tudo tem um fim – Ushuaia, fim do mundo
Os Andes são a espinha dorsal da América do Sul, marcam a paisagem e afirmam-se como uma barreira de fronteira entre os 2 países. Hoje era dia de os cruzar junto ao Paso Garibaldi.
Já não éramos nós que nos aproximavamos, era a linha do horizonte que se dirigia ao nosso encontro. Para lá desta cortina estava a parte final do nosso destino e o tão aclamado fim do mundo.
Ushuaia é a cidade mais austral do planeta, é enorme e tem tudo para turistas. Daqui até ao extremo da ilha ainda faltam percorrer alguns quilómetros para entrar no Parque Nacional Tierra del Fuego e finalizar a ruta 3. Pedalámos até onde era possível pedalar.
Passou praticamente um mês, avançámos no tempo e explorámos espaços maiores que a vida, agora que estamos no fim do mundo só nos resta regressar com espírito novo e ficar com vontade de repetir.
Esta pode ser uma história irrelevante para o mundo, mas foi sentida com intensidade por quem, como nós as viveu longe do conforto e das certezas diárias num território como este.
We´re coming home. Tell the world we are coming home
Epílogo
O magnetismo e a sedução vão continuar a manter este território como um destino inesgotável. A nós só nos resta espalhar magia, usar algumas ilusões com as palavras e imagens para tentarmos chegar perto do inenarrável.
A Patagónia é um mundo à parte. Aqui tudo é desafio que exige muita experiência, audácia e capacidade de adaptação.
Se fecharmos os olhos e imaginarmos um lugar, voltamos à Patagónia. Continuaremos a viajar porque precisamos viajar. Para nós, a procura dos mais belos cenários e a paixão pela bicicleta, tornam todas as viagens possíveis.
Com a bicicleta temos outra perspectiva do mundo, ele não parece mais pequeno, parece mais real. Na bicicleta, ficamos mais humanos e mais polidos.
3 comentários:
Muito legal essa viagem de vcs. Estou pensando em fazer algo parecido esse ano. Será que posso mandar umas perguntas para vcs?
Olá,sim. teremos muito gosto em responder
Olá, bela viagem que você fez. Eu gostaria de conhecer sul da Argentina e aprender a esquiar. Mas primeiro eu tenho que comprar protetor solar em beleza na web, pois meus amigos me disseram que queimaduras na pele de neve.
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