15 outubro 2012

Pedalar por um sonho às portas do Círculo Polar Ártico

O Video integral desta aventura


Cada pessoa tem uma história e um sonho. Enquanto não chegam os dias que precisamos para dar a volta ao mundo, começamos com os poucos dias de férias a fazer grandes viagens.
Esta é a forma que encontrámos para ampliar o nosso horizonte e tomar o pulso à vida.




A caminho da Islândia

28Ago12 – Keflavik – Selfoss  2 Cataventos à solta na Islândia

Nós movemo-nos como este vento que corre livremente por este país gelado. Tão a Sul quanto é possível nesta latitude, percorremos a estrada da costa expostos a um inquietante e impressionante vento que nos derrubou por diversas vezes.
Ele não deixa saudades, apenas ficam marcas e recordações. Por momentos sentimo-nos transportados para o outro extremo do mundo na Patagónia onde os 8 meses que separam estas 2 aventuras, não chegam para tirar do corpo o desconforto que nos provocou.


Por todo o lado nota-se a natureza intocada com pouca vegetação, os tons escuros dos solos vulcânicos e muitas rochas de lava cobertas de musgo.

O momento do dia foi junto da Lagoa Azul, um dos pontos mais turísticos da Islândia. Nesta área geotermal, famosa pela temperatura das suas águas, enquanto uns tomavam banhos termais,cá fora nós tremíamos de frio enquanto registávamos o momento para a eternidade.


29Ago12 Selfoss-Selfoss – Atrás das montanhas em busca do Circulo de Ouro

Há muito que este país abriu as portas para o mundo. Aqui há natureza selvagem e é proibida a entrada a quem não tiver vontade de a apreciar e respeitar.Impressiona percorrer vastas áreas sem lixo ou painéis publicitários
Continuamos a Sul. Selfoss é uma perfeita paragem antes de viajarmos para o interior das highlands e conhecermos a cascata gullfoss e o geysir.


Hoje o dia foi programado para viajarmos sem bagagem. Era uma volta circular que nos levava para lá das montanhas até à fenda onde a Islândia de equilibra.
No parque nacional de Pingvellir vivemos alguns dos mais conhecidos fenómenos naturais desta ilha. Aqui é o local onde se separam as placas tectónicas americana e euroasiática criando uma fenda que se afasta 2cm por ano.


30Ago12 Selfoss-Laugarvatn-Geysir-Gullfoss-Fludir_Árnes

Qualquer que seja a direcção do nosso olhar, continuamos a contemplar paisagens de esmagadora grandiosidade que nos preenchem a cada dia que viajamos por este território tão perto do Circulo Polar Ártico.
Este último pedaço de terra virgem da Europa, marcado por exigentes condições de vida, consegue surpreender e oferecer cenários intocáveis.
Só hoje vimos um saco de plástico perdido, preso no arame de uma vedação. Poucas marcas existem da acção do homem, ao invés, os fenómenos geotermais multiplicam-se.
Percebemos agora porque chamam de círculo de Ouro ao geysir e à cascata Gullfoss? O turismo mais valioso chega em inúmeros autocarros e viaturas 4X4 equipadas com rodas “extra size”.

Não épreciso chegar a este hot-spot para sentir os cheiros que os vapores emanam do subsolo. Em povoações com pouco mais de 4 casas, é possível ver-se a terra em plena actividade diante dos nossos olhos e sentir-se covidado a ocupar todo o espaço aquecido.
Laugarvatn, Fludir ou Árnes, todas são um território mágico onde o tamanho não conta e os limites que existem são impostos pela nossa imaginação.
Estas aldeias não brilham mas valem ouro. Ainda estamos a 20 quilómetros mas já passaram mais de 10h desde que saímos. É tarde e não vamos ter tempo para recuperar e enfrentar 4 dias de total isolamento por uma estrada de montanha que atravessa 2 glaciares.


A ementa para tantos dias corre velozmente na minha mente. Compramos tudo o que julgamos vir a precisar, mas antes, percorro corredores, vasculho prateleiras, tenho hesitações…
Calei o medo e peguei na bicicleta.

31Ago12 Árnes – Rest day

As previsões do início da semana apontavam para um mau dia.Era uma “black friday” confirmada hoje à hora da aurora. Chuva, vento e um cansaço acumulado fez-nos adiar o salto para o desconhecido.
Um amigo lembrou-nos num e-mail para não nos esquecermos que estamos de férias…

01Set12 Árnes – Highland center

Damos hoje a primeira pedalada de aproximadamente 300 quiómetros em direcção ao centro da Terra,as highlands.
Para muita gente, viajar significa ir ao encontro daquilo que procuram. Nós que viajamos com a bicicleta e em autonomia, sabemos que o destino está traçado mas é incerto. O encontro com o inesperado é muitas vezes algo que acotnece com frequência.


A consulta da meteorologia no dia anterior não dispensa a que fazemos antes de partir (os ventos têm variações incríveis de direcção e intensidade em poucas horas).
Foi uma noite mal dormida devido à ansiedade e ao risco do que nos propunhamos fazer. Sabemos que cada quilómetro que andamos, começa uma nova aventura.
Não podíamos esperar mais.Saímos do Youth hostel debaixo de chuva tendo como esperança alguma falha nas previsões meteorológicas para as horas seguintes.

A expectativa de estarmos a avançar para vermos as cascatas de Hjálparfoss e Haifoss, servia-nos de consolo e alento durante a longa extensão de solos escuros “manchados” de um verde que eu diria muito típico desta região.Insípidos e molhados desde cedo, buscamos abrigo no hightland center.


E porque hoje faço anos, tudo o que desejo é horizonte para pedalar. Com a bicicleta eu encontro o equilibrio para viver.


02Set12 Highland center – Nyidalur hut

Toda a ilha é uma zona livre de stress, quando percorremos a fantasmagórica Sprengisadur route (F26), percebemos que estamos livres de tudo, até do nosso juízo.

A nossa ambição quando tracámos esta rota era atravessarmos o país de sul para norte e passarmos entre os glaciares Holsjokul e Vatnajokull.
A natureza pode ser simultaneamente dura, delicada e cruel como foi ontem, mas foi generosa connosco hoje. Permitiu-nos ver a paisagem de cascalho solto, nua, sempre do mesmo tom castanho escuro.
O silêncio ganhou espaço até ao momento que conseguimos chegar ao abrigo de montanha (hut)


03Set12 Nyidalur hut – rest day

Nem pensar em cruzar a delicada porta do abrigo. Lá fora está tudo muito diferente do que estamos habituados  e por isso mantivémo-nos no hut de Nyidalur (na base do vulcão Tungnfell) durante 2 noites por segurança. O fogão está sempre aceso e tem uma enorme panela com água pronta a aquecer quem chegue.
Para que possamos variar do esparguete e noodles (já não há muito), vamos – tentar- fazer pão. O resultado da nossa experiência a juntar ingredientes com nomes impronunciávies em que íamos provando para perceber o que era, deu num cruzamento ente o pão e o rissol. O duo de motoqueiros que dividiam o hut connosco repetiram. Significa que inventámos mais um pastel, falta só dar um nome…


O Ranger do Parque Nacional acaba de chegar ao hut e veio confirmar que somos mesmos malucos por estarmos nas highlands nesta época. Além disso, avisou que vai haver tempestade para esta noite e amanhã.


04Set12 Nyidalur hut-rest day

Lá fora estão 0ºC e as bicicletas encostadas, imóveis, sujeitas a mais um teste de resistência.
O nosso passatempo é assar batatas, ver quem passa e a forma como transpõem o rio. A nossa vez de partir vai chegar, ainda não sabemos é quando. Para já, passa a 3 noites…


05Set12 Nyidalur hut - Laugar

O som do vento acorda-me muito cedo e era semelhante ao dia anterior. Se a direcção se mantivesse de norte, significava mais um dia perdido. Inquieto, dirijo-me até à janela para observar o único ponto de referência no exterior, uma bandeira chicoteada pelo vento vindo de sul.


Estava dado o sinal de partida para mais do que uma maratona nas highlands. Ao longo do caminho, a neve mantinha-se por vastas áreas, e o vento empurrava-nos ao mesmo tempo que nos congelava as extremidades e queimava a pele.

Foi uma benção a ajuda do Ranger para transpormos 2 rios em segurança sem nunca nos molharmos. A água que nós e os Islandeses bebem vêm de rios como estes sem qualquer tipo de tratamento.
Depois de olharmos este mundo agreste em cima de uma bicicleta e de estarmos juntos da cascata dos Deuses (Godafoss) na ring road, mais uma vez sabemos que são incontáveis as pedaladas, as histórias e os medos que tivemos até chegarmos a um lugar seguro.
Optámos por um mimo para as próximas 2 noites e vamos dormir numa guest-house que tem no exterior um hot pot onde podemos “ficar de molho” várias horas numa água que vem directamente das entranhas desta terra.


06Set12 Laugar – Lago Myvatn- Laugar

Foi tanta a privação nos dias anteriores que hoje sonhámos com o pequeno almoço que teríamos pela manhã antes de nos deslocarmos para o Lago Myvatn. Este lago imenso e a área envolvente são um dos grandes tesouros europeus.
Durante a nossa volta circular, toda a paisagem é surreal. Lava, fumo a sair da terra, crateras, água e montanhas vulcânicas.
Há muitos dias que transportamos os fatos de banho na pequena mochila que vai às costas na esperança de um banho quente em qualquer charco inesperado. Hoje tivemos o nosso primeiro hot pot. Eles são um must nesta região (é como estar num jacuzzi no meio da rua com um cenário deslumbrante).

07Set12 Laugar – Akureyri

Isto de pedalar com vento não tem graça nenhuma, especialmente porque não se consegue ter momentos de contemplação parados.
Em dias assim eu sou a ponta da flecha que abre uma fissura no vento e permite que a Filomena possa andar na roda. Acabar é uma vitória mas não existe glória quando se chega ao fim.

Akureyri é a capital do norte e a 2ª cidade maior do país com 18000 habitantes. Civilização sitiada num fiorde rodeado de cumes nevados, uma escolha acertada para ficar 1 dia a descansar.


08Set12 Akureyri – rest day

09Set12 Akureyri- Varmahlíð

Mesmo a pedalar sobre a route1, os grandes horizontes continuam a fazer parte desta viagem. Andamos pelos vales e seguimos os cursos dos rios alimentados pelas águas que escorrem incessantemente das arribas que nos flanqueiam.
Podia afirmar que estou eufórico diante das infinitas possibilidades que tenho pela frente, mas não estou.Novo aviso de tempestada acompanhada de ventos fortes(23 m/s), não convida a grandes aventuras.
Por hoje não precisamos de nos preocupar, estamos bem abrigados numa quinta na aldeia de Varmahlíð com 130 pessoas.

10Set12  Varmahlíð – Rest day
Parece que o Inverno veio todo num só dia e pintou tudo de branco. O supermercado está a 300 metros mas é como se fosse uma miragem. Temos mais um dia de paragem forçada.
O nevão ganha cada vez mais terreno à medida que as horas avançam. A estrada está interdita à maioria dos veículos e por precaução as pessoas são aconselhadas a procurar alojamento.
Em pouco tempo, a senhora Inda de 81 anos que há poucas horas atrás parecia ter uma vida pacata a cochilar no seu sofá, mostrou-nos como é uma verdadeira mulher do norte.
Enquanto nos convidava para um lanche com bolos caseiros, mostrava orgulhosamente os álbuns de família; recebia os turistas que iam chegando e quando a lotação esgotou, pegou no seu jeep e conduzia estrada fora para os ir alojar.

11Set12  Varmahlíð – Saeberg (hostel)

Esta aventura já foi longe demais. Temos metade da quilometragem que planeámos, centenas de peripécias e riscos incalculados e só nos apetece chegar à capital.
Lá fora, tudo continua branco e a abanar, no entanto existe a necessidade de arrancar. Estamos confiantes nas previsões para o dia de hoje, mesmo quando aquilo que vemos, não inspira confiança.

Será um risco calculado pedalar sobre um manto branco sem saber o que vem a seguir? Eu acredito que quando coloco o pé no pedal com fé, tudo o resto se movimenta.
Começa a nevar, começa a montanha…Vários carros estão soterrados nas bermas, os flocos voam, magoam as faces e a subida ainda vai no início.

Metro a metro vamos quebrando o gelo, quem passa, tira fotografias e fica incrédulo. Nós também.Não sabemos como equilibrar as 2 rodas perante esta manifestação da natureza. As equipas de emergência patrulham a área e nós fazemos “like” sem nos apercebermos que as descidas se tornariam autênticos escorregas.
Pedimos boleia e somos resgatados até ao nosso destino. Está um sol maravilhoso e as vistas são lindas.A vida é tão bela, porque será que ando de bicicleta em sítios tão difíceis?
Pronto!!! Depois de 1h dentro de hot pot, já percebi porque não fico em casa. A minha casa é onde está o meu coração.

12 e 13Set12 Saeberg – Borganes - Reyqjavik

Estamos a oeste mas o nosso sentido é cada vez seguir para mais perto do nosso ponto inicial.
O isolamento e a ausência da mão humana continuam a ser uma das grandes referências deste país. Os horizontes até Borganes perdem a cor e parecem-se com tantos outros que já vimos noutros lugares.


Mais um dia.É provavelmente o único em que vamos pedalar menos de 100 quilómetros pelo menos esta é a indicação do track e da sinalização existente.
Decorridos 2horas a pedalar na ring road e já perto de Akranes surge-nos outro imprevisto. O túnel sob o oceano está interdito a bicicletas obrigando a um desvio superior a 40 quilómetros. Não foi um balde de água fria porque molhados já nós estávamos.
“Contornar” o fiorde psicológicamente foi uma árdua tarefa. O apelo ao desânimo sobrelevava-se relativamente à acção de continuar a fazer girar os pedais. São únicos e ficam para sempre os momentos em que o “mundo” que existe em nós, jamais nos deixará presos naquele local.

Reyqjavik não está isolada, não está no topo de uma montanha e nem sequer há nada de extremo nesta cidade excepto as vias de comunicação que lhe dão acesso.
As faixas de rodagem em driecção à cidade e a sensação que temos em cima da bicicleta é a de estarmos a pedalar numa auto-estrada.
A capital não nos cativa, é exageradamente cara e parece viver só de noite.

14 Set12 Reyqjavik – Keflavik

Felizmente que as imagens que estamos a ver e que são iguais ao primeiro dia, representam apenas uma pequena amostra deste país. Não há árvores, não há rios, não há vales, apenas uma rugosa paisagem lunar fruto da forte actividade vulcânica nesta península.
Até ao aeroporto já não contamos observar tudo aquilo enche as brochuras e panfletos que se podem encontrar e consultar espalhadas por qualquer parte desta linda ilha. Resta-nos pedalar.